{Capítulo 2 } : O Beijo da Morte


Livro : O Beijo da Morte
Autora : Judie Castilho
Capítulos : Capítulo 2

Mais um capítulo, anjos!




Capítulo 2.
Sedução.


– Sabe? Coisas estranhas têm acontecido ultimamente. Donank acrescentou com a testa franzida, enquanto preenchia alguns papéis. – O professor Thriskow sempre fez questão que fizéssemos os testes de tolerância aos klysos em todo aluno novo. Mas a resposta era meio que presumível, mesmo com os mestiços, dependendo de sua origem. Mas de um tempo pra cá parece estar havendo algum tipo de mistura de genes. Pelo menos essa é a teoria da professora Contdan. Ela acha que a mistura dos povos que tem ocorrido nas últimas décadas pode deixar genes ocultos por gerações e eles se juntarem ao acaso, sem que o indivíduo saiba exatamente que possui determinada descendência. Eu vejo algumas falhas nesta teoria, mas é claro que ela deve entender mais que eu, eu sou só o monitor...
Haysla e Violyt sorriram. Donank estava tão perdido em seu raciocínio, que parecia falar mais pra si mesmo do que para elas.
– Hoje mesmo eu fiz o teste numa menina que é mestiça de waniano com pliniano, e é tolerante aos klysos. Vai entender... Nenhum de seus descendentes tem o organismo tolerante a eles. Aí eles querem me convencer de que um bisavô ou tataravô de outro planeta passaria despercebido em Plynkel. Logo em Plynkel...
– Por que, ‘logo em Plynkel’? Haysla perguntou, curiosa.
Donank olhou pra ela de um jeito tão surpreso, que a fez ter certeza de que ele realmente estava só pensando alto.
– Por quê? Existe mais alguém no universo que possa ser confundido com um pliniano? Brancos, cheios de sardas, olhos verdes claros e cabelos ruivos e cacheados. Eles são únicos.
– Terráqueos. Foi Violyt quem respondeu. – Existem terráqueos assim.
– Ah, claro! Terráqueos descendentes de plinianos. Mas para um pliniano não conhecer sua descendência, ela tem que ter acontecido há algumas gerações, e os terráqueos só fazem viagens espaciais longas há poucos anos. Mesmo assim, com a ajuda da Uni Uni, eles não têm tecnologia própria pra isso.
Seria mais fácil algum mestiço passar despercebido em Wanilston, mas isso não responderia a questão. Até onde eu sei, a intolerância pliniana aos klysos é 100% dominante. O gene tinha mesmo que vir de Plynkel...
Eu realmente acho que tem alguma coisa estranha no ar, ou eu terei que rever todos os meus conhecimentos sobre genética. E cara, é sério, eu sei um bocado!
Donank pôs alguns papéis dentro de uns envelopes e os colocou dentro de sacos lacrados por uma máquina.
– Claro que no seu caso é mais fácil de entender, Haysla. Os ordeanos são resistentes aos klysos, e os terráqueos também costumam ser. Mas a mistura de genes na Terra é tão grande, que a gente nunca tem como prever com exatidão o resultado de qualquer exame de terráqueos. Você sabe se sua mãe tem descendência próxima de algum planetário?
– Que ela saiba, não. Haysla respondeu, interessada. Agora o assunto estava num caminho útil pra ela. Talvez Donank lhe pudesse fornecer alguma informação a respeito da descendência de sua mãe. – Mas pode ter acontecido da descendência dela ter sido mantida em segredo. Isso é o que normalmente ocorre na Terra. A Terra não é como Plynkel. Lá ninguém nem sabe da existência de vida em outros planetas. Mas minha mãe tem descendência asiática.
Haysla esperava que essa informação pudesse ajudar.

Havia mais uma parte da história que tanto Haysla quanto Violyt conheciam.

Há milhares de anos, a Terra fora colonizada por alienígenas de diversos planetas diferentes. Isso aconteceu por causa da enorme e atraente biodiversidade da Terra, por sua localização estratégica e pelo pouco nível de desenvolvimento tecnológico de seus habitantes nativos. Os extraterrestres se reproduziram com os terráqueos ao longo dos anos. As características físicas se misturaram, por isso a Terra era um planeta sem características definidas. Ela era uma mistura de vários povos do universo. Mas existia alguma coerência quanto às características físicas dos continentes terrestres, já que os planetários se dividiram por eles. Nunca era exato, pois houve certa mistura, mas, como via de regra, servia para dar uma visão geral da descendência.
Já as características especiais de controle mentais foram quase perdidas ao longo dos anos, pois a maioria tinha um caráter recessivo em relação aos genes dos terráqueos nativos. Com a mistura dos genes elas desapareceram quase por completo, salvo um ou outro caso isolado de genes que se encontravam ao acaso, ou de alguma descendência mais próxima. Por isso alguns raros terráqueos possuíam alguma habilidade sobrenatural.

– Ah, isso pode explicar! Donank comentou, entusiasmado. Haysla estava, certamente, mais entusiasmada que ele. – Os três planetários que, originalmente, colonizaram a Ásia, são intolerantes aos Klysos. Nós, hestriáticos, os wanianos, e os arkiniáquios. Eu não posso nem encostar num klyso que morro, em menos de 10 minutos. Ainda bem que tem só um andando por aí e que o Benj... quer dizer, que o professor Thriskow é o tal. Eu nem me preocupo, ele cuida disso por mim.
Haysla acabara de se dar conta que se os Klysos viviam por volta de 900 anos, o Deus da escada deveria ter bem mais que os vinte e poucos anos que ela imaginara.
– Donank, você sabe quantos anos o professor Thriskow tem?
– Ele tem 119 anos, mas, para um klyso, é como se tivesse uns 23 anos padrões.

Um ano padrão era mais ou menos a mesma coisa que um ano terrestre.
A expectativa de vida padrão era de 100 anos. Já que essa era a expectativa de vida da maioria dos povos; por morte natural, ignorando mortes por acidentes ou doenças. Aos planetários que viviam num padrão diferente desse, dizia-se que viviam x vezes a expectativa padrão. Por exemplo, os ordeanos viviam 2 x EP, ou seja, cerca de 200 anos.

Haysla estava aliviada.
Era estranho o cara ter 119 anos, claro, mas se isso era compatível com os tais vinte e poucos anos que ela supunha, então servia.
Deus do céu, eu estou ficando louca! Pensou pra si mesma.
Como ela podia sequer cogitar que isso serviria para alguma coisa? Os dois eram incompatíveis...

Como Donank mencionara há pouco, seria o beijo da morte para ela.
Isso a deixava frustrada, mas também mais relaxada. Se Benjamin não seria dela, era porque não podia ser, não porque não a queria. Ela nem precisaria tirar essa prova.

– Donank, você por acaso sabe para onde nós precisamos ir agora? Violyt perguntou, impaciente. Ela estava preocupada com a hora. As duas estavam ali há um longo tempo e ela não queria chegar atrasada para nenhum compromisso.
– Hoje é a aula inaugural para todos os AL’ s. Eu estou indo pra lá. Se vocês me esperarem fechar o laboratório, a gente pode ir junto. Isso aqui é um labirinto, será difícil pra vocês acharem sua sala sozinhas. Eu sou do 3º AL e a sala do 1º AL é ao lado da minha.
As duas concordaram. Era bom ser tão bem recebida por alguém já de cara.

Um AL era o nível avançado. Era mais ou menos o equivalente ao segundo grau terrestre. Não exatamente, porque na Terra Haysla e Violyt estavam no penúltimo ano do segundo grau, ali elas iriam para o primeiro período. Elas precisaram interromper o estudo terrestre, pois o 1º AL tinha que iniciar no metade do ano em que o jovem completasse o equivalente a 17 anos padrões. Violyt fizera 17 anos há poucos dias, durante as férias, Haysla faria daí a 3 meses.
Cada AL durava meio ano e o curso completo consistia em 5 AL’ s. Depois disso os estudantes partiam para o EL, o equivalente a uma faculdade, onde se especializariam em uma profissão específica.

Donank parou numa sala perto do laboratório e deixou alguns envelopes com uma garota morena.

Violyt e Haysla seguiram animadas ao lado de Donank pelos inúmeros corredores da Academia. Os três conversavam e riam como se fossem velhos amigos.
Elas contaram a Donank que passaram quase toda a vida na Terra, por isso não sabiam muito a respeito da União Universal. Ele se ofereceu para ajudá-las em tudo o que precisassem, e aproveitou o percurso para dar algumas informações úteis.

– Este colégio é chamado de Academia Frantila, como vocês devem saber.
Sim, isto elas sabiam. Primeiro, porque estava escrito nos papéis de matrícula que lhes foram entregues e, depois... porque havia uma placa monumental na frente do prédio.

Frantila era o nome do planeta que abrigava a sede da União Universal. Ele fora escolhido como o local de sede, inicialmente, porque não havia vida inteligente nativa nele. Embora possuísse uma adequada condição atmosférica, oxigênio, um clima ameno e água, todos os habitantes de Frantila vieram através da Uni Uni havia quase 300 anos, quando a nova sede fora inaugurada. Além disso, também facilitou a escolha a sua biodiversidade, a variedade de sua flora e fauna nativas, e a qualidade de sua terra para a agricultura e pecuária. Outro motivo que colaborou para a escolha de Frantila como sede foi sua localização central aos planetas pertencentes à Uni Uni. E além do fato de Frantila ser um planeta lindíssimo!
Atualmente, ele era quase como um planeta normal, um planeta pequeno.
Havia cidades, fazendas, supermercados, shoppings, restaurantes, colégios, prédios administrativos...
Por não possuir população nativa, ele nem era considerado um dos planetas aliados. Frantila era o 17º planeta, a sede da União Universal, e tudo ali girava em torno disso.
Os funcionários da Uni Uni moravam em vilas no grande centro, distribuídas por escalões. Os funcionários mais gabaritados ficavam com as vilas mais luxuosas, os outros, em vilas mais simples. As classes sociais não eram muito diferentes das da Terra.
Postos de combate se espalhavam estrategicamente por todo o planeta, para garantir a segurança da Uni Uni. Além disso, satélites e naves de apoio faziam a órbita de Frantila em tempo integral, reforçando ainda mais a segurança.

– No térreo fica só o salão principal, usado para festas e eventos.
O 1º subsolo é o andar administrativo. Lá tem a diretoria, as coordenações, laboratórios, enfermaria... No 2º subsolo ficam as salas e o refeitório dos BL’ s, o nível básico. Lá estudam os alunos de 10 a 16 anos. As crianças do nível inicial e do pré-nível estudam em outro prédio. As salas e o refeitório dos AL’ s ficam no 3º subsolo. No 4º subsolo ficam as salas e laboratórios especiais de aprendizagem. Ainda temos do lado externo os dormitórios para estudantes sem residência em Frantila, como é o meu caso, os ginásios e os campos.

Os três, enfim, chegaram ao grande e luxuoso refeitório dos AL’ s.

Ele também tinha o pé direito bem alto, mas mais próximo ao normal. Lustres de cristais também caiam do teto, mas em um tamanho razoável. O chão era branco e brilhante, incrivelmente limpo para um refeitório. As mesas eram uma mistura de um metal estranho com vidro, e as cadeiras eram do mesmo metal da mesa. Em frente a uma parede no fundo havia uma longa, longa mesa, com muita comida e bebida em cima, expostas em travessas elegantérrimas. Alguns jarros de cristal se espalhavam ao longo da mesa, com flores que Violyt e Haysla não conheciam. Eram de um azul escuro, listradas de dourado, com pétalas compridas e curvadas, longas antenas saiam de seu miolo, com bolinhas douradas brilhantes nas extremidades.

O refeitório estava lotado de gente de diversos planetas.

O clima de descontração e o murmurinho da conversaria fazia lembrar um primeiro dia de aula num colégio terrestre, pairando no ar a felicidade pelo reencontro depois de longas férias.
E esse era exatamente o caso ali.
Estudantes se abraçavam e se cumprimentavam entusiasmados. Todos queriam contar as aventuras e novidades vividas nas férias. Podia-se ver em vários cantos casais se abraçando e se beijando apaixonadamente, para matar a saudade, depois de um longo tempo distante.
Haysla sentiu uma pontada de inveja. Ela conhecia bem esse bafafá do primeiro dia de aula, só que, naquele momento, não estava no seu lugar habitual para esta situação. No seu antigo colégio todos viriam correndo pra cima dela, abraçando-a e beijando-a como ela via acontecer ao seu redor. Ela era a atração maior de um primeiro dia de aula. Era dela que todos sentiriam mais saudades.

Agora ela não era ninguém. Ninguém a conhecia.

– Fala, Don!!! Um cara se aproximou bem animado, sorrindo muito, fazendo um gesto de alô com os dedos e sacudindo as mãos.
– E aí, Lohan? Donank deu um passo à frente para se encontrar com ele, respondendo igualmente animado. Os dois deram um abraço seguido de tapinhas nas costas. – Eu soube que você foi pra Terra com o pessoal do 4º AL...
– Cara, você não faz ideia do que é a Terra. É o paraíso, maluco!

Haysla achou o cara engraçado. Ele se mexia muito pra falar, com as mãos, com o corpo... Tinha um tipo de malandro, despojado, descontraído... Era gostoso de se ver. Ele devia ser um cara legal!
Ela achava suas palavras também a cara de um terráqueo. Provavelmente ele aprendeu durante as férias, ela pensou. Era curioso para ela imaginar o que alguém de outro planeta poderia achar da Terra, numa primeira visita. Além da Terra e de Frantila, ela só conhecia Ordleon. Então não sabia se a Terra era muito diferente do normal.
Também a irritava não saber de onde o carinha era só de olhar pra ele.
Lohan lhe pareceu bem atraente e bonito. Ele era alto, um corpo saradão, bem moreno, com os cabelos castanhos e lisos, arrepiados no alto da cabeça, e os olhos num belo tom de verde esmeralda.

Já Violyt o viu com outros olhos...

Ela o achou muito, muito lindo! Ele era perfeito!
Aquele jeitão tão masculino, tão sedutor... Ele fez seu coração disparar, sua respiração se acelerar, sua barriga gelar. Violyt não costumava sentir esse tipo de coisas, não era paqueradora com Haysla.
Mas esse cara... esse cara mexera com ela de uma forma muito intensa!
Ela não prestara atenção se suas palavras eram parecidas com a dos terráqueos, ou se ele tinha um estilo de malandro. Seu jeito apenas a fazia sorrir. Ela apenas o achava divino. Ela estava encantada!

“Já tenho programa pra hoje à noite.” Haysla lhe disse mentalmente.

Violyt congelou.
Ela estava nervosa, as mãos suando. Não podia acreditar.
Será que Haysla e o cara haviam trocado mensagens telepáticas e combinado de sair? Claro que isso aconteceria, ela pensou, desiludida, Hay é tão mais bonita que eu, é claro que ele não olharia pra mim, com ela por perto. Eu não posso nem mais olhar pra ele, agora ele é da Hay. Violyt tentava se convencer de que isso não seria um problema, mas, na verdade, estava com vontade de chorar. Não queria que ele fosse da Haysla, ela o queria pra si. Ela o desejava como nunca havia desejado ninguém. Será que alguém vai reparar se eu sair correndo daqui?

“Viol, o que aconteceu? Qual é o problema?” Haysla perguntou, preocupada. Ela conhecia muito bem a amiga e sabia que havia um turbilhão de emoções devastando sua mente.
“Nada.” Ela respondeu, tentando parecer alegre. “Você vai sair com esse cara hoje à noite?” Ela queria que Haysla pensasse que estava contente por ela, mas não tinha muita esperança que isso acontecesse. Não era uma boa mentirosa, não seria fácil esconder seus sentimentos de Haysla.
“Eu? Sair com esse cara?” Haysla deu uma risada mental para Violyt. “De onde você tirou essa ideia?”
“Você não disse que tinha um programa pra hoje à noite?” Violyt agora tinha um pouco de esperança no olhar.
“E tenho. Vou me debruçar em cima de um notebook e decorar absolutamente tudo sobre cada característica física e de qualquer outra natureza, sobre absolutamente todos os povos do universo.”
“Ah!” Violyt respirou aliviada. Não que isso significasse que ela teria o cara para si, mas se ele não fosse o objeto de desejo de Haysla, pelo menos ela tinha uma chance. Embora ela não fizesse ideia de como fazer para chamar a atenção de um garoto. Claro que ela já havia namorado na Terra, mas nunca tomara a iniciativa, nunca havia paquerado. Haysla era boa nisso, ela não.
“Você está a fim dele...” Haysla mentalizou, sorrindo. “E muito a fim.”

Donank e Lohan se aproximaram, fazendo-as novamente prestar atenção aos dois.
– Lohan Tarrish, essas são Violyt Fhanthisk e Haysla Rhieavatre. Donank os apresentou, apontando-as assim que ficou ao lado delas. – Violyt, Haysla, esse é Lohan. Ele estuda comigo.
– Você é a filha de Vryan Rhieavatre? Ele perguntou, olhando para Haysla.
– Sou. Haysla respondeu, fazendo uma careta. Não era isso que ela planejara, essa era apenas sua cartada final. Mas será que todos ali conheciam seu pai pelo nome? Será que ela seria sempre a filha de Vryan? Isso era uma droga! Ela nem teria chance de tentar ser ela mesma, primeiro. – Mas você pode me chamar de Haysla, mesmo. A filha de Vryan Rhieavatre fica muito grande pra falar.
Lohan sorriu. – Tava na cara que vocês eram ordeanas.
– Por causa dos meus olhos azuis. Haysla se antecipou, entediada.
– Ah, também, claro. Mas eu não estava falando disso. É que, além dos klysos, só os ordeanos conseguem bloquear a mente.
– E como você sabe que a gente consegue bloquear a mente? Haysla perguntou, a voz áspera. O que aquele cara tentara fazer com elas para descobrir que tinham as mentes bloqueadas?
– Eu estava induzindo umas alucinações para Violyt, mas não chegaram.
– Umas alucinações pra mim? Violyt estava ao mesmo tempo excitada e com medo.
– Que tipo de alucinações você ousou mandar para Violyt? Haysla agora estava mesmo brava. – Você perguntou a ela se podia?    
“Por favor, Hay, não faça isso. Eu estou a fim dele sim, não faça isso...” Violyt implorou mentalmente.
– Me desculpe. Haysla disse, olhando nos olhos de Lohan. Sua voz era sincera.

Violyt arregalou muito os olhos. Ela estava mesmo assistindo Haysla pedir desculpas para alguém? Não, ela não podia acreditar nisso.

Mas Haysla nem mesmo pensou antes de fazer.

Ela nunca pedia desculpas, isso era coisa para pessoas que erravam, ela nunca errava. Pelo menos, nunca admitia que errava. Mas o caso ali era diferente. Haysla tinha consciência de que possuía um gênio de cão, e acabara de deixar seu gênio de cão interferir na vida de Violyt. Sua amiga estava a fim do cara de uma forma como Haysla jamais vira antes. Ela não atrapalharia Violyt, nem a magoaria, nunca. Nem que pra isso precisasse pedir desculpas, nem que pra isso tivesse até que se humilhar... Violyt era mais que uma amiga pra ela, era mais até que uma irmã. As duas estavam sempre tão juntas desde que nasceram, que era como se elas fossem duas metades de um todo. Violyt era quase como ela mesma.

“Obrigada, Hay.” Violyt entendeu perfeitamente o que aconteceu. “Eu sei o que isso significa. Obrigada de verdade.”
“Significa que eu te amo, só isso. Mas vamos deixar de sentimentalismos bobocas porque esses dois estão nos olhando com cara de tacho. Com certeza eles sabem que a gente está conversando. Você quer isso?”

As duas olharam de volta para Lohan.
– Se vocês já terminaram de bater um papo mental, eu posso me explicar?
– Nos desculpe. Violyt disse, meio sem jeito. – É que a gente faz isso há tanto tempo que já nem percebe que está fazendo.
– Tá na boa. Lohan disse, sua voz era gentil. – Eu também faço isso o tempo todo. Eu só queria explicar que não era nada de ruim que eu ia enviar pra você. Se você abrir sua mente pra mim, eu mostro.

Violyt abriu sua mente.
Ela estava curiosa e ansiosa para saber o que Lohan queria enviar pra ela. Não era nada ruim, ele havia dito. Seu coração disparou novamente.

No segundo seguinte, tudo em volta desapareceu. Não havia mais ninguém na sala, só os dois.
A sala foi se transformando num campo verde repleto de florezinhas coloridas no chão, em frente a um lago muito azul. Uma revoada de pássaros cruzou o ar no mesmo momento em que uma música suave começou a tocar.
Lohan sorria para ela. Ela sorria de volta.
De repente, uma chuva de flores vermelhas começou a cair do céu. Eram milhares, milhões de flores. O chão ficou totalmente vermelho.
Um perfume gostoso inundou o ar.
“Você é linda!” Lohan mentalizou para Violyt. “É difícil criar uma alucinação à sua altura. Duvido que eu tenha conseguido.”
“Como você faz isso?” Ela perguntou, encantada.
“Ué... Os wanianos fazem isso.”
“Ah... Não conheço muito sobre os Wanianos.” Violyt admitiu, constrangida. Até aquele momento ela nem mesmo sabia que ele era um waniano.
“Quer conhecer?” Lohan perguntou de modo sedutor.

Violyt estava quase explodindo de felicidade. Foi tão mais fácil e rápido do que ela supunha, mesmo em sua fantasia mais otimista... Lohan estava dando em cima dela, descaradamente.
“Seria bom”. Ela respondeu, ainda constrangida, mas entusiasmada.
Lohan lhe lançou um sorriso bem sensual e soprou-lhe um beijo.
O campo e as flores foram desaparecendo e as pessoas em volta foram surgindo novamente.

“O que ele te mostrou?” Haysla perguntou mentalmente, impaciente.
“Depois eu te conto... mas foi lindo!” Violyt estava maravilhada. Como um cara podia ser ao mesmo tempo tão lindo e tão romântico? Assim que ele a chamasse para sair, ela aceitaria. Ela esperava que não demorasse muito, ou explodiria de tanta ansiedade. Seria bom se realmente não houvesse ninguém em volta, para que ele pudesse tomá-la em seus braços e beijá-la.
“Pode fechar a mente agora.” Lohan mentalizou para ela. Ele tinha um grande sorriso no rosto. “Eu ainda estou dentro.”
“Ai Deus! Você estava lendo meu pensamento?”
“Sim. Desculpe. Não é que eu tenha entrado pra bisbilhotar, eu só não saí. Mas nem me preocupei, porque achei que você fecharia a mente e eu seria expulso. Também não me toquei que você podia pensar em coisas que não queria que eu soubesse.”
Violyt fechou a mente imediatamente, expulsando Lohan dela.
Ela queria enfiar a cabeça embaixo da terra... ela queria desaparecer.
“Desculpe.” Lohan mentalizou novamente.
“Você ainda está dentro?” Ela agora estava apavorada.
“Não, não estou. Eu só estou te enviando mensagens telepáticas e recebendo as que você me envia de volta. Assim como você conversa com a sua amiga. Eu não consigo mais ler seus pensamentos, nem tentaria.”
“Menos mal.” Ela ainda queria desaparecer.
“Não precisa ficar constrangida, você não pensou nada que eu também não tenha pensado. Eu também queria que estivéssemos sozinhos. E com certeza não vou demorar para te convidar para sair, eu também explodiria de ansiedade. Na verdade, se você concordasse, a gente podia sair hoje à noite.”
“Eu não sei... Quer dizer, é claro que eu sei... você sabe que eu quero aceitar, mas... é que eu não estou conseguindo pensar direito, no momento.”
“Eu entendo. Eu queria que você pudesse entrar na minha mente para ler o que eu estou pensando, não só o que eu quero que você leia, assim você saberia como eu me sinto.”
“Nós, ordeanos, não conseguimos ler mentes.”
“Nós, wanianos, não conseguimos bloquear a nossa.”
“Certo, eu acho melhor a gente parar de conversar mentalmente, antes que a Hay tenha um treco.”
“Ok, eu tenho mesmo que ir. A gente se fala mais tarde?”
“Claro... A gente se fala.”

Violyt deu um sorriso sem graça para Haysla e desculpou-se mentalmente com ela.
Haysla não estava mesmo gostando daquilo. Nunca vivera essa experiência antes. Sempre que Violyt conversava mentalmente com alguém, era com ela. Não era de se admirar que isso irritasse as pessoas, a curiosidade era realmente irritante.
“Eu quero saber tudo.” Ela mentalizou, rabugenta, imaginando um monte de fumacinha saindo de sua cabeça e enviando esta imagem à Violyt.
“Eu vou te contar tudo... depois.” Violyt disse mentalmente, enquanto enviava imagens de beijinhos estalando no ar para a amiga.
“Que não seja muito depois.” Haysla respondeu, lançando a imagem dela rebatendo os beijinhos de Violyt com uma raquete de tênis.
Lohan logo se despediu, saindo para falar com outros amigos.

– Os wanianos têm excelentes truques de sedução, não é mesmo? Donank disse, em tom de brincadeira.
– É, eles tem. Violyt respondeu com o pensamento distante. Ela observava Lohan, apreensiva com a possibilidade dele se interessar por outra garota qualquer.
– Pois é... nisso eu e meu povo levamos desvantagens. Se eu quisesse te conquistar, a única coisa sobrenatural que eu poderia fazer seria te dar um choque. Não seria muito romântico, o que você acha?
Violyt e Haysla sorriram.
– Não, não seria muito romântico. Violyt concordou.
– Seria eletrizante! Haysla brincou.
Donank sorriu em resposta.
– Ah, olha lá! Tem uma amiga minha ali que é do 1º AL. Vamos lá, vou apresentá-la a vocês.
Donank seguiu em direção a um grupo de meninas que conversava alto em meio a risadas histéricas.
– Ela se chama Shiva e é de Tinevel. Donank iniciou a explicação, ele já sabia que as duas não possuíam conhecimento suficiente para concluir esse tipo de coisa, sozinhas. – Os tineanos, além dos klysos, claro, são o único povo com controle total dos 4 elementos. Eles têm controle mental grau 5, mas a telepatia é apenas grau 2.
– Valeu pela aula. Haysla disse, sorrindo. – Preciso arrumar um comunicador para gente estar sempre em contato. Aí, tipo assim, chega alguém novo e eu digo, ‘socorro, Don, uma criatura não identificada se aproxima. Coordenadas, por favor’. Aí você manda a ficha completa. Fala sério! Seria bacana, não acha?
Violyt e Donank riram da brincadeira de Haysla.
– Eu testou sendo sacaneado, ou você está agradecendo? É que não deu pra identificar, sabe?
– Não, gostei da aula, de verdade.
– Liga não, Donank. Violyt interferiu. – Esse é o jeito Haysla de dizer muito obrigada.
– Vocês aprenderão rápido, não é nada muito difícil. Donank disse, assim que eles chegaram ao lado do grupo de garotas.

“Sei, não...” Haysla mentalizou para Violyt, “não acho que seja assim tão simples como o Don quer que a gente acredite. Você reparou na quantidade de gente com os cabelos escuros e lisos e os olhos escuros que tem por aqui? Duvido que sejam todos do mesmo planeta.”
“Claro que não.” Violyt respondeu. “Mas dá para ver algumas diferenças. Alguns têm os olhos mais puxados, outros têm a pele um pouco mais morena...”
“Ah, legal! Então a gente terá que andar com uma palheta de cores na mão para comparar o grau de morenice de cada um?”

– Shiva! Donank falou alto, tentando chamar atenção da tal garota no meio de toda aquela algazarra.

As duas pararam a tagarelice mental a fim de prestar atenção ao grupo de meninas.




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