{Prólogo e Capítulo 1} : O Beijo da Morte - Judie Castilho
Livro : O Beijo da Morte
Autora : Judie Castilho
Capítulos : Prólogo e Capítulo 1
Hey, Anjos! A autora de O Beijo da Morte, a querida Judie, permitiu que eu postasse alguns capítulos aqui pada vocês degustarem e se apaixonarem. Hoje trago o Prólogo e o Capítulo 1 , em breve tem mais! Vou postar até o capítulo 6.
Obrigadaaaa, Judie <3 Por me permitir divulgar essa obra que já é parte de mim!
Prólogo.
A nave que seguia à frente era um pouco menor que as demais.
Ela ziguezagueava pelo espaço, traçando o caminho exato a ser percorrido pelas 18 naves que a seguiam.
O líder desta ousada operação seguia na primeira nave. Era um homem de uma aterrorizante aparência, mas extremamente poderoso. Suas ordens nunca eram questionadas, apenas obedecidas.
Um pouco à frente ele avistou seu alvo, um enorme e belo planeta, cercado
de anéis luminosos e de muitas luas. Vigiado por inúmeros radares e naves de defesa, este era, certamente, o planeta melhor vigiado do universo.
Mas toda esta defesa não seria um problema...
A estratégia já estava montada, as dificuldades já haviam sido contornadas. Todos os detalhes do plano que era executado há décadas seriam seguidos à risca.
E essa era apenas mais uma etapa a ser vencida. Era algo muito mais grandioso o que este homem e seu povo ansiavam... O grande alvo era o controle do universo.
E era um alvo possível de se alcançar, eles acreditavam.
Claro que o futuro ainda era incerto.
Alguns outros planos e estratégias já estavam traçados, porém, ainda não eram bons o bastante para que se alcançasse o definitivo objetivo.
Ainda faltava algo. Faltava uma arma que os fizesse mais fortes. Uma oportunidade perfeita para serem capazes de vencer essa difícil guerra. Mas todos estavam convictos de que a oportunidade surgiria. Quanto mais conseguissem penetrar no mundo de seus inimigos, mais perto estariam de detectar suas fraquezas.
Sim, a oportunidade surgiria.
Estrategicamente, as naves se posicionaram numa zona ainda distante de seu planeta alvo. Ficaram escondidas atrás de satélites e asteroides, de modo a não serem detectados por nenhum radar.
A mesma ordem ecoou no comunicador de cada nave.
– Agora, apenas aguardem meu comando.
Capítulo 1.
Intolerância.
De mãos dadas, as duas amigas pararam em frente à grande porta de metal.
Elas estavam igualmente ansiosas... Os sintomas eram os mesmos; barriga gelada, coração disparado, cabeça rodando, mãos suadas, tensão, medo, agonia, desespero...
Uma apertou a mão da outra com força... elas se entre olharam.
Não precisaram usar de nenhuma comunicação telepática para saber o que a outra pensava. E agora? Como será nossa vida a partir de agora? Como seremos recebidas?
Este não era apenas mais um dia de aula em um colégio qualquer do planeta Terra. Nem era a expectativa de um ‘primeiro’ dia de aula num novo colégio terrestre. Com isto elas poderiam lidar tranquilamente, afinal, já passaram por isso muitas vezes e sempre tiraram de letra. Mas este era o primeiro dia de aula na Academia Frantila, o centro de estudos da sede da União Universal. Era o primeiro dia de aula no colégio mais prestigiado e disputado do universo. Ali, do outro lado daquela porta, havia estudantes dos 16 planetas que compunham a União Universal.
Na Terra, elas eram Deusas! Lindas demais, inteligentes demais, perspicazes demais, talentosas demais... Tudo demais!
Elas eram as tais!
Ali...
Bem, ali elas seriam apenas duas mestiças, uma mistura de ordeanas* e terráqueas. Nem sangue puro elas eram.
Além disso, tendo vivido desde os nove anos na Terra, as duas não estavam totalmente por dentro da maioria das informações sobre os outros planetas. Elas nem sabiam identificar de qual planeta um ser era quando olhavam pra ele. Algumas informações já lhes foram passadas a este respeito, mas fora rápido demais pra elas absorverem.
Mas também... puxa vida! Como alguém podia querer que elas soubessem que se um cara tinha o cabelo castanho e liso e os olhos verdes, ele seria de um planeta X, já se os cabelos fossem castanhos e ondulados e os olhos também castanhos, ele seria de um planeta Y. Agora, se fosse ruivo, bom, aí ele seria de um planeta F.
Caramba, na Terra tinha gente de todo tipo e eles eram apenas terráqueos!
Aliás, eles eram apenas mais um garoto ou uma garota qualquer. Sem esse papo furado de terráqueo, lá. Todos eram terráqueos, afinal.
Elas se lembravam que se alguém fosse rosa, alto e muito esquisito, ele seria de Vanikstun. Mas o único que elas conseguiram decorar era também o único que não lhes seria útil. As duas foram informadas de que os Vanikstáneos não costumavam frequentar as escolas da Uni Uni porque, como eram muito diferentes de todos os outros povos, se sentiam excluídos.
Seria bom ter algum diferentão para ser o centro da zoação de todos, assim este cargo não seria concedido a elas.
Não, as perspectivas definitivamente não eram as melhores.
Haysla arrumou a postura no seu estilo mais poderoso, ergueu o nariz, pôs uma expressão de muito auto controle em seu rosto e emitiu uma mensagem telepática à Violyt. “Só depende da gente, Viol. Se ficarmos com cara de coitadas, seremos as coitadas. Mas se tivermos cara de Deusas, continuaremos a ser Deusas. Nós somos Deusas, e não é porque algum idiota consegue lançar raios pelos olhos, ou porque um Zé Mané pode erguer um carro com a força da mente, que eles serão melhores que a gente. Nós também podemos fazer coisas incríveis.” Só falta descobrirmos exatamente que coisas incríveis são essas, Haysla pensou, mas não emitiu o pensamento para Violyt. Ao contrário dela, Violyt era insegura por natureza. Ela precisava ser a forte ali, se queria ter alguma chance de continuar sendo poderosa nesta nova fase de suas vidas.
Haysla empurrou a porta com determinação e cruzou o salão pisando forte. Ela praticamente arrastava Violyt.
“Isso é fácil pra você. ‘Você’ sempre foi a Deusa. Eu sou apenas sua sombra.” Mentalmente, Violyt lançou sua insegurança para Haysla. Depois, enviou para mente de sua amiga imagens de algumas de suas lembranças. Nestas lembranças, diversos garotos olhavam obstinados para as curvas esculturais de Haysla, sua pele morena, seus cabelos castanhos com aqueles lindos cachos largos lhe caindo nas costas e... seus olhos... Ah, seus olhos de um azul tão profundo, luminoso, intenso... Eles eram únicos, hipnotizavam qualquer um! Isso, fora o sorriso sexy, a voz sedutora, o andar sensual...
“Algumas vezes a sombra é maior que o objeto em si”. Haysla retrucou também mentalmente, lançando em seguida uma risada de bruxa que ecoou por vários segundos na mente de Violyt. Que bom que pelo menos podemos conversar sem sermos ouvidas, já que meu pai nos ensinou a bloquear nossos pensamentos. Seria um começo e tanto todo mundo estar por dentro da insegurança doentia da Viol; Haysla pensou pra si mesma. Só pra garantir, ela adicionou algumas imagens de garotos igualmente obstinados com o corpo de modelo de Violyt, alto e magro, seus longos cabelos lisos, esvoaçantes e de um loiro claríssimo, e seus olhos castanhos que se destacavam em sua pele muito branca.
Grande coisa, pensou Violyt só para si.
Violyt desviou sua atenção para cada detalhe do gigantesco salão de entrada da Academia Frantila.
O pé direito era algo surreal! Era tão alto que ela não era capaz nem de supor sua altura. O teto era de vidro e cheio de luzes coloridas que desciam de lustres monumentais e gigantescos, mas bem delicados, pendendo cristais de todos os lados. No salão não havia nenhum móvel, apenas um chão muito branco e brilhante e, nas laterais, enormes estátuas hologrâmicas de imponentes e bem vestidos homens. Membros importantes da União Universal, ela supôs. Apenas um deles ela conhecia, e conhecia muito bem.
“Eu esperei por este dia desesperadamente durante toda minha vida. Por que agora eu quero sair correndo de volta para a Terra?” Violyt perguntou mentalmente para Haysla.
“Dará tudo certo, Viol. Confie em mim.”
Violyt confiava. Tinha certeza que Haysla daria um jeito de todo mundo acreditar que ela era o ser mais poderoso do universo, mesmo se ela fosse o menos poderoso. Haysla não ficaria pra trás, não importava o que precisasse fazer para isso.
Mas Haysla, embora suas mentalizações e sua expressão dissessem o contrário, não acreditava muito nisso. Pela primeira vez em sua vida ela estava morrendo de medo, de verdade. Mas isso não faria diferença, ninguém perceberia... Nem Violyt, que a conhecia tanto quanto ela mesma. Todos precisam achar que eu estou no controle da situação, ela se repetia o tempo todo.
“Para onde vamos agora?” Violyt questionou, quando elas chegaram ao final do grande salão, diante de algumas portas e escadas que seguiam em direções distintas. Não havia nenhuma placa, nenhuma explicação, ninguém para dar uma informação. “Será que eles não poderiam dificultar mais as coisas? Assim está muito fácil”. Ela acrescentou.
Haysla sorriu. Se Violyt estava sendo irônica era porque estava muito, tipo, muito nervosa mesmo. “Meu pai disse para descermos pela escada da extrema direita, lá fica o laboratório onde faremos algum teste de sei lá o quê. Depois a gente pergunta para eles onde será a aula inaugural”.
Elas seguiram pela longa escada.
De pé, num canto da escada, um homem observava atentamente as duas.
Ele se espremeu contra a parede, cedendo espaço para elas passarem.
Haysla franziu a testa. Isso era um exagero dos grandes, afinal, a escada era larguíssima! Daria para passar umas dez pessoas lado a lado sem que nenhuma delas precisasse se espremer.
Quando observou o cara mais atentamente, Haysla não pôde seguir adiante.
Ela congelou.
Seus olhos não conseguiam se desviar daquele cara parado ali, espremido contra a parede da escada. Ele era a coisa mais linda que Haysla já vira no universo. Não que ela já tivesse visto muita coisa do universo, todos os caras que conhecia, ou eram ordeanos, ou terráqueos. Mas ela duvidava que houvesse, em qualquer lugar do universo, algum cara tão maravilhoso.
Sua pele era de um bronzeado dourado lindo. Parecia um surfista daqueles que passavam o dia inteiro sob o sol. Mas esse cara não era só uma pele sensual.
Ele era, literalmente, algo de outro mundo.
Tinha um cabelo castanho claro, não muito curto, repicado mais ou menos até abaixo de suas orelhas, com uma franja jogada de lado, desfiada, caindo só um pouco sobre um de seus olhos. Olhos que, aliás, Haysla nunca vira parecido em nenhum lugar. Ela forçou a memória para se lembrar de qual planeta viriam os caras que tinham olhos da cor de ouro, mas não se lembrava deles terem sido mencionados.
Esse cara não poderia visitar a Terra, seus olhos não existem por lá. Foi a primeira frase coerente que conseguiu formular em sua mente depois da visão daquele ser.
Sua boca era grossa e tinha um meio sorriso esboçado, emoldurado por uma barba curta muito sexy. Seus traços eram ao mesmo tempo fortes, impactantes e perfeitos...
E seu corpo? Uau!!! Ele era alto e, mesmo vestindo um elegante terno, era fácil perceber que tinha um corpo muito gostoso!
Ainda havia outra coisa que chamava atenção nele, ele não era um garotinho, era um homem. Devia ter uns vinte e poucos anos... Talvez um professor.
Haysla mordeu os lábios... isso era excitante!
Imagine que tudo! Uma aluna com um professor. Os pensamentos de Haysla seguiam por um caminho nada sutil... Ela estava suando de novo e com um frio na barriga ainda mais forte do que sentira quando chegara à Academia.
Se estivesse na Terra, ela teria certeza de que poderia conquistar aquele cara, que ele seria dela. Mas ali... Ali a toda poderosa Haysla Rhieavatre estava insegura. E isso a deixava irritada. Muito irritada.
Quando ela poderia se imaginar insegura?
Haysla era sempre tão dona de si. Todo mundo estava sempre rodeando-a. Ela era a dona do mundo, o centro do universo... Era só ela desejar um cara e ele seria dela. Mas ainda não encontrara seu lugar neste mundo. Na verdade, ela nem sabia se existia um lugar pra ela neste mundo. Isso era uma agonia.
“Hay...” Violyt a chamou mentalmente. “Você está dando na pinta.”
“Inferno... é verdade”. Haysla admitiu.
Enquanto ajeitava sua postura de ‘não estou nem aí pra nada, eu sou a bambambã por aqui’ para retomar seu caminho, algumas crianças subiram correndo e gritando pelas escadas. Pegando-a desprevenida, elas a atropelaram, fazendo-a se desequilibrar e girar rumo ao chão. Intuitivamente, para evitar a eminente queda escadaria abaixo, ela esticou seu braço em direção ao homem, para se segurar nele.
Não conseguiu.
Antes que Haysla alcançasse o braço do homem maravilhoso que estava à sua frente, ele desviou-se, erguendo suas mãos para o alto e se espremendo ainda mais contra a parede, embora isso parecesse humanamente impossível.
O corpo de Haysla terminou o giro e se estabacou no chão, quicando escada abaixo por dois ou três degraus, antes dela conseguir retomar seus sentidos super aguçados, dar um rápido e longo salto e se pôr novamente de pé.
Pelo menos isso era uma vantagem naquele planeta, ela não precisava mais podar suas habilidades extra terráqueas. Nada era espantoso em Frantila.
– Você é louco? Haysla gritou com raiva, antes mesmo de chegar ao lado do homem. – Por que diabos me deixou cair?
O homem ainda abria a boca para falar, quando Haysla o interrompeu.
– Você gosta de ver as mulheres caindo aos seus pés? É isso? Mas comigo não vai funcionar, seu idiota!
“Calma Hay, por favor, calma.” Ela ouviu a voz de Violyt em sua mente, mas não fez efeito algum. Haysla estava com raiva, com muita raiva.
Ela acabara de fazer papel de idiota na frente daquele Deus e, o pior, ele contribuíra para isso. Quem ele pensava que era se imaginava que podia fazer aquilo com ela? Ele era um babaca e ela se vingaria dele. Haysla não fazia a menor ideia de como faria isso, mas certamente encontraria uma maneira. Isso não ficaria assim.
O homem abriu a boca outra vez, tentando falar, mas foi novamente impedido.
– Você se acha bom demais pra mim? Bom demais pra encostar em mim? Eu não sou doente não, meu lorde! Ela disse a última palavra num tom irônico. – Sou um ser vivo e saudável...
– Se pretende continuar assim... O homem aproveitou o segundo que ela parou para respirar e falou – um ser vivo e saudável, tem que me agradecer por não ter te encostado.
– Por quê? Você dá choque? Haysla sabia que existiam seres que emitiam eletricidade pela pele, mas não achava que este seria o caso. Até porque, até onde ela sabia, essa eletricidade era controlada por seu usuário. Alguém só a daria um choque se quisesse dar. Ela acabara de se dar conta de que este poderia sim ser o caso, já que o cara em questão era um perfeito idiota. – Não tenho medo de choque.
– Eu poderia mesmo te dar um choque, mas só se eu quisesse. Não é disso que eu estou falando. A voz dele era arrogante e antipática. Haysla estava a cada minuto com mais raiva. – Eu apenas não sei de qual planeta, ou melhor, de quais planetas você veio, já que é óbvio que é mestiça.
– Ah, então é isso? Você tem o sangue puro e não toca em mestiços.
Violyt estava apavorada. Conhecendo Haysla como conhecia, previa que boa coisa não sairia dali. E ela estava certa, Haysla apertava os punhos com força, numa tentativa totalmente inútil de se acalmar.
– O quê? O homem perguntou, a voz alta e as sobrancelhas cerradas. – Do quê você está falando?
“Por favor, Hay, vamos embora daqui.” Violyt suplicou mentalmente.
Haysla achou que seria uma boa ideia, ou ela daria um soco naquele cara.
– Faça um favor pra mim? Ela pediu ao homem, usando sua voz mais sedutora.
O homem deu um sorriso irônico que ela detestou ver. Mas isso não mudaria seus planos, ela sairia por cima, ou, pelo menos, a definição ‘Haysla’ de sair por cima.
– Vá para o inferno! Ela disse com a mesma voz sedutora, mas espaçando bem as palavras. E então... jogou um beijinho para o cara.
Antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, Haysla agarrou a mão de Violyt e desceu as escadas correndo.
“Hay, depois de quase 17 anos você ainda consegue me surpreender”. Violyt comentou, chocada. “Você percebeu que o cara é mais velho? De modo que ele é, no mínimo, um professor. Tem noção de que acabou de mandar o ‘no mínimo um professor’ para o inferno?”
“É, eu tenho noção. Por isso é melhor a gente sair daqui bem rápido, antes que eu resolva voltar lá e mandar nosso querido ‘no mínimo um professor’ para um lugar um pouco pior. Seria legal se eu conseguisse ser expulsa da Academia antes do primeiro minuto da primeira aula.”
“Isso seria a sua cara.” Violyt debochou. “E eu me daria mal por sua causa mais uma vez. O que seria a minha cara”.
“Na maioria das vezes você se dá muito bem por minha causa. Nunca se esqueça disso.” Haysla rebateu.
“É verdade”. Violyt preferiu concordar, decidindo que não seria o melhor momento de pesar todas as vezes que se deu mal por causa de Haysla, versus todas aquelas em que se deu bem. “Você não acha que fez uma tempestade num copo d’ água?”
“Um cara me deixar cair escada abaixo por não querer tocar em mim não é uma tempestade... é um furacão... é um tsunami.” Haysla rugiu mentalmente.
“Mas você nem deixou o cara se explicar.” Violyt rebateu.
“Não há explicação para isso.”
Não que você saiba. Violyt pensou só pra si. Isso era uma explicação, afinal, quando alguém tinha que dizer à outra pessoa aquilo que ela ainda não sabia. Ela não emitiu o pensamento para Haysla, não adiantaria nada. Sua amiga era muito cabeça dura e Violyt sabia exatamente quais discussões eram inúteis com ela. E aquela era.
Tão logo terminaram de descer a longa escada, elas se depararam com um corredor lotado de portas, piedosamente identificadas por placas.
“Laboratório”. Violyt mentalizou, suspirando aliviada.
“Claro, eu te disse que estaria aqui”. Haysla disse de forma debochada, mas também estava aliviada.
Haysla bateu na porta de um jeito decidido. Precisava retomar sua confiança.
– Um minuto, por favor. Gritou uma voz masculina lá de dentro.
Alguns segundos – que pareceram uma eternidade – depois, a porta se abriu. Um garoto bem simpático surgiu atrás dela.
Tão bonitinho, pensou Haysla. Ele parecia um descendente de chinês ou japonês. Os olhos eram negros e puxados, mas não tanto quanto um japonês legítimo. Era mais como um Sansei, ou Nissei, ela não sabia ao certo, não entendia muito dessas nomenclaturas. Tinha a pele levemente morena, o cabelo era castanho e liso escorrido, comprido até um pouco abaixo dos ombros e estava amarrado num rabo. Ele era apenas um pouco mais alto que Violyt e parecia ter um corpo legal, mas um pouco magro. Usava um jaleco branco que o fazia parecer um médico da Terra, só que era de um material impermeável e brilhante. Alguma mistura estranha de jaleco com capa de chuva. Mas o que mais lhe soou estranho naquele cara foi o fato dele parecer muito novo. Ele deveria ser um, ou no máximo dois anos mais velho que as duas. Deveria ser um estudante, não o cara do laboratório.
Isso também chamou a atenção de Violyt, embora ela nem tivesse se dado conta se o cara era ou não bonitinho. Ela estava tensa demais para se preocupar com esse tipo de banalidade.
“Não seria mais fácil se eles trouxessem uma placa pendurada no pescoço, dizendo o seu nome e o planeta de origem?” Violyt disse mentalmente à Haysla.
Haysla concordou com ela. “Seria bem mais fácil. Essa placa poderia também dizer quais dons sobrenaturais eles possuem.” Ela acrescentou. “Assim a gente saberia se eles estão olhando por dentro de nossas roupas. Ainda bem que eu estou com uma calcinha bonitinha.”
Violyt sorriu, mas não gostou de se lembrar desta possibilidade. Ficou envergonhada e gostaria de descobrir um meio de bloquear este dom.
– Pois não? O carinha disse de modo atencioso.
– Bom dia. Foi Haysla quem respondeu, ela sabia que Violyt não diria nada. – É o nosso primeiro dia de aula e parece que temos que fazer algum teste de sei lá o que. Acho que porque somos mestiças.
– Ah, sim! Você tem descendência ordeana, com certeza. O cara falou, apontando para Haysla.
– Sim. Ela respondeu, sorrindo. Isso ela sabia que seria fácil de qualquer um perceber, só os ordeanos possuíam olhos naquele tom de azul. E claro, alguns terráqueos que descendiam deles, mas, nestes casos, o tom nunca era exatamente o mesmo, embora, algumas vezes, chegasse perto. Haysla tinha os olhos de seu pai, o resto era mais parecido com sua mãe. Violyt não tinha os olhos ordeanos, pois os tinha puxado de sua mãe terráquea. – E também da Terra. Nós duas.
– Legal! Eu tenho muita vontade de conhecer a Terra. O cara falou animado, caminhando para uma mesa. – Entrem, por favor. Eu sou Donank Hosviotto, monitor de laboratório.
Isso fazia mais sentido para as duas, um monitor podia ser novinho.
Aquele lugar não se parecia com um laboratório. Se não fosse pelo excesso de telas de computadores projetadas no ar, bem que elas poderiam estar na coordenação de sua antiga escola terrestre, local que, aliás, elas conheciam muito bem. Apenas algumas mesas e cadeiras sem graça habitavam ali.
– Qual é o nome de vocês, por favor? Ele perguntou, mexendo em um dos computadores projetados no ar.
– Haysla Rhieavatre e Violyt Fhanthisk. Haysla respondeu, uma certa pretensão consumindo seu olhar. Se o cara tivesse algum conhecimento sobre hierarquia da Uni Uni, ela sabia o que viria depois.
– Ah! Donank exclamou, tirando os olhos do computador e voltando-os para as duas. – Qual das duas é a filha de Vryan Rhieavatre?
Haysla apenas levantou o indicador. Ela adorava o fato de ser filha do todo poderoso Vryan Rhieavatre.
Na Terra seu pai não era ninguém, mas ali... Bem, ali ele era o chefão da União Universal. Haysla não pretendia usar isso a seu favor com os colegas de turma, ela preferia ser aceita por seus próprios méritos – tá, por seus belos olhos azuis também serviria – mas se nada mais adiantasse, ela estava certa de que não teria problemas morais em lançar mão deste trunfo. Tudo pra não ficar pra trás na hierarquia escolar.
Violyt, por outro lado, estava muito feliz por não ser ela a filha do todo poderoso Vryan, ela odiaria ter mais este motivo para chamar a atenção dos outros.
– Eu estava aguardando vocês. Vocês estavam marcadas para as 8:30. Chegaram mais cedo, por isso eu não soube quem eram. Donank se justificava, enquanto abria a ficha das duas em sua tela projetada, criando luzes divertidas que passeavam pelo ar. – E vocês não têm que fazer testes porque são mestiças, vocês têm que fazê-los porque são novatas. Ele copiou as informações em meio segundo através de um Bluetooth, ou algo do tipo, para o que parecia ser um computador de mão do tamanho de um cartão de crédito, e se levantou. – Venham comigo, por favor.
Haysla piscou para Violyt, e ela sabia o que isso queria dizer. Haysla queria fazê-la acreditar que tudo daria certo.
Haysla se sentia responsável por Violyt, como uma irmã mais velha, embora as duas fossem da mesma idade. Na verdade, Violyt era três meses mais velha, além de ter o comportamento mais adulto e responsável, pelo menos na maioria das vezes.
Os três entraram em uma sala toda branca.
Agora sim, parecia um laboratório! Aliás, elas poderiam muito bem estar dentro do laboratório do professor Pardal.
Haysla e Violyt gostaram daquilo.
O local era repleto de frascos de diversos tamanhos e formatos, com fumaça multicolorida saindo por todos os cantos. Muitas mesas expunham coisas estranhas... pós de todas as cores, líquidos luminosos, pedaços de metais que elas não podiam identificar, plantas que elas não conheciam, bolinhas coloridas...
“Eu passaria horas analisando tudo por aqui.” Violyt mentalizou, empolgada.
“Eu não”. Retrucou Haysla. “Já analisei tudo o que eu tinha pra analisar.”
Donank pediu que elas se sentassem em duas cadeiras no canto da sala e sumiu por alguns minutos.
Ele voltou carregando um monte de tralhas nos braços.
Violyt se contraiu quando identificou uma agulha.
– Com licença. Donank pediu, já pegando o braço de Haysla para tirar- lhe um pouco se sangue. A agulha era tão fina que não doeu nada. Mentalmente, Haysla enviou o que sentia para Violyt, para acalmá-la. Ela sabia como a amiga odiava agulhas.
“Você tem que estar manipulando esta sensação”. Violyt mentalizou sua desconfiança. “Não pode estar doendo tão pouco assim.”
“Não, é sério, não manipulei nada. Eu nem estou sentindo.”
“Menos mal. Mas tem uma faca ali... Será que ele vai cortar a gente?”
“Cortar a gente? Ah, fala sério, Viol!” Haysla mandou a sensação de um tapa na testa de Violyt e acrescentou um “Acorda menina!” debochado.
– Vocês estão conversando mentalmente, não estão?
As duas foram pegas de surpresa pela pergunta de Donank.
Elas sempre fizeram isso na Terra e nunca ninguém desconfiou. Mas era óbvio que ninguém nunca desconfiaria, não existia a possibilidade de alguém conversar mentalmente na Terra.
– Nos desculpe. Violyt disse algo em voz alta pela primeira vez. Ela sabia que teria de ser aquela a se desculpar pela falta de educação das duas. Haysla certamente levaria isso com alguma brincadeira. – Não foi muito educado de nossa parte.
Haysla sorriu. Ela sabia muito bem porque Violyt tomara a iniciativa, então ficou quieta. Ela gostava quando Violyt se impunha em algo.
– Não, eu não me importo, apenas invejo. A telepatia de nós, hestriáticos, é grau 1, ou seja, nenhuma. Só não é menor porque não existe grau zero. A dos ordeanos é grau 9. Isso deve ser incrível! Donank estava visivelmente animado com a conversa. – Será que vocês pegaram o grau 9 dos ordeanos? Porque os terráqueos têm grau 1 também e não sei de onde vem a procedência terrestre de vocês.
– Somos grau 9. Haysla respondeu imediatamente. Ela odiava ser subestimada.
Dessa história de grau elas sabiam bem, o pai de Haysla já lhes havia explicado.
As características de cada povo eram medidas por uma escala de 1 a 10.
Vryan já medira algumas de suas características, por isso elas sabiam que sua capacidade telepática era grau 9. Na verdade, quase tudo nelas era igual aos 100% ordeanos... velocidade, força e sentidos, grau 5. Os terráqueos, normalmente, tinham força e velocidade em grau 2 ou 3 e sentidos em grau 2. O controle mental era mais difícil de avaliar. Vryan lhes havia prometido que fariam isso assim que elas chegassem ali e elas estavam ansiosas para isso. Mas a julgar pelo resultado dos outros quesitos, deveria ser 5, como era o grau de um ordeano. Pelo menos elas queriam acreditar nisso. O grau de um terráqueo era normalmente 2, isso seria humilhante... Mas elas acreditavam que não poderia ser assim com elas, ou seu grau telepático não poderia ser 9. Uma coisa estava relacionada à outra.
A partir daí as duas tentaram disfarçar as conversas mentais. Principalmente porque Haysla recebia uma bronca mental de Violyt toda vez que tentava fazê-lo.
Depois de tirar mais e mais sangue das duas, raspar a pele delas com o que Violyt imaginou ser uma faca, tirar radiografias e ultrassonografias de todos os cantos e fazer uma série de exames chatos com zilhões de eletrodos conectados a seus cérebros, Donank se ausentou por mais alguns minutos. Vários minutos, desta vez.
“Puxa, ele praticamente escaneou a gente.” Haysla mentalizou, rabugenta.
“Verdade... Para que será que serve tudo isso? Será que eles nos dirão nosso grau de controle mental?” Indagou Violyt.
“Não sei, mas acho que já vamos descobrir”.
Donank entrou carregando dois envelopes nas mãos.
– A maioria dos resultados sai daqui a dois dias, mas este eu fiz em caráter de urgência, pois poderia ser perigoso. Este é o seu, Violyt. Donank entregou-lhe um dos envelopes. – Quer dizer, eu posso te chamar de Violyt, ou prefere Srta. Fhanthisk?
– Pode, claro. Violyt respondeu, simpaticamente. – Me chame de Violyt. Mas o que é isso?
– É a tolerância de vocês ao veneno Klyso. Você tem tanto a pele quanto o organismo tolerantes ao veneno deles, Violyt. Mas você...
– Haysla. Ela o interrompeu, já deixando claro como gostaria de ser chamada.
– Haysla... Donank repetiu. – Você tem a pele resistente a eles, mas o organismo não. Seu organismo é intolerante ao veneno dos Klysos.
– Tá... Mas por que isso é importante? Os Klysos não vivem enfurnados no planeta deles? Haysla indagou.
Tanto Haysla quanto Violyt conheciam a história dos Klysos.
Eles eram os habitantes do planeta Eklyeses. Seu nome oficial era Eklyesiáqueos, mas eram mais conhecidos como Klysos, mesmo. Eles eram o único povo do universo que possuía veneno. Alguns planetários eram tolerantes ao veneno deles, outros não. Em alguns, eles não poderiam nem tocar na pele. Seu veneno era fatal para aqueles com intolerância.
Mas não era por isso que eles viviam enfurnados em seu planeta. Era porque, além de produzir veneno, seu organismo produzia a ekliefina, uma substância que fazia com que eles vivessem 9 vezes a expectativa de vida padrão, ou seja, cerca de 900 anos. Isso fazia com que alguns povos que não pertenciam à Uni Uni, precisamente os conhecidos como gafanhotos, vivessem numa espécie de caça ao tesouro atrás deles.
A ekliefina, se ingerida regularmente, faria qualquer um que fosse tolerante ao veneno klyso viver por também cerca de 900 anos. Por isso eles viviam enclausurados em seu planeta, vigiados noite e dia por um exército de elite e satélites da Uni Uni. Tudo para impedir que os gafanhotos os fizessem prisioneiros fora de Eklyeses.
– Sim. Todos menos um, Benjamin Thriskow. Ele é membro do ministério da Uni Uni, coordenador da escola e professor. E... Donank tinha um sorriso malicioso no rosto – como o professor Thriskow é ‘bonitão,’ Ele disse a última palavra fazendo aspas com os dedos. – e gosta de sair por aí dando uns pegas nas alunas... bem... eu tinha que avisar. Antes que ele matasse uma de vocês. Violyt está liberada para dar uns pegas nele... Quer dizer, não que eu esteja dizendo que você vá dar. Donank ficou um pouco constrangido. – É... só... meio que poderia, se quisesse. Mas Haysla não. Nenhum fluido dele pode entrar em contato com seu organismo. O que significa que um beijo dele, para você, seria o beijo da morte. A pele de vocês é tolerante ao veneno Klyso, então as duas podem encostar nele, mas precisam tomar cuidado. Vocês têm que se limpar depois e prestar muita atenção para não espalhar o veneno dele por aí... Mas Benjamin costuma, ele próprio, tomar suas precauções.
“Haysla”. Violyt a chamou mentalmente. “Você está pensando a mesma coisa que eu?”
“Sim.” Haysla respondeu, um pouco desiludida. “Nosso ‘no mínimo um professor’... Acho que cometi uma injustiça.”
“Você acha?” Violyt ironizou. “Pretende se desculpar?” Ela perguntou só por perguntar, sabia bem a resposta.
“Nem tanto, né...” Haysla respondeu também só por responder. Ela sabia que Violyt sabia a resposta.
*Habitantes do planeta Ordleon
QUE CAPA LINDA, AMEI!
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ExcluirBeijoooos!😘