{Capítulo 4} : O Beijo da Morte


Livro : O Beijo da Morte
Autora : Judie Castilho
Capítulos : Capítulo 4





Capítulo 4.
Distração.


“Estou aqui em missão de paz.” Benjamin mentalizou para Haysla. “Gosto de me dar bem com meus alunos, e nós dois começamos com o pé esquerdo.”
“Com o pé esquerdo rolando junto com o direito escadaria abaixo, você quer dizer.” Haysla enviou seu pensamento a ele, junto com a lembrança dele se encolhendo para que ela não conseguisse encostar-lhe.
“Me desculpe por isso...” Benjamin começava a se explicar, quando Haysla o interrompeu.
– Você pode falar em voz alta, ou acabou com seu estoque de voz com toda aquela tagarelice inútil sobre regras e namoros entre professores e alunos?

Haysla não estava confortável conversando com Benjamin mentalmente.
Ela estava bastante acostumada com isso, mas apenas com Violyt e com seu pai. Com sua mãe, algumas vezes, mas era diferente, já que ela precisava recolher as mensagens de dentro da mente dela. Além disso, um Klyso possuía controle mental em grau 10 e ela não sabia qual era seu grau telepático, mas se ele seria o professor de tal matéria, com certeza era alto. Isso a fazia ter medo de que ele entrasse em sua mente e lesse os pensamentos que ela não queria que ele tomasse conhecimento. Era mais fácil manter um total bloqueio mental eficiente quando ela não estava se comunicando mentalmente com o objeto de seu bloqueio.

– Eu posso. Benjamin respondeu, sorrindo, mas com a testa franzida. – Ainda me resta um pouquinho de voz. Mas por quê? Você tem telepatia em grau 9, deveria ser muito fácil para você se comunicar mentalmente.
– Isso não te interessa. Mas como você sabe que eu tenho telepatia em grau 9?
Benjamin respirou fundo, apertando os olhos com força. – Eu recebi sua ficha, sei tudo que preciso a seu respeito. E, na verdade, isso me interessa sim. Sou seu professor de Telepatia, lembra?
– Nós estamos em aula? Haysla perguntou, cruzando os braços. – Eu achei que não.
– Não, nós não estamos em aula e você tem razão, isso não me interessa. Benjamin já não sorria e nem parecia mais ser aquele professor simpático e agradável. – Eu só queria te pedir desculpas. Não por eu não ter te encostado, porque eu realmente não poderia tê-lo feito, já que não sabia se você era tolerante a mim. Mas porque eu podia ter te impedido de cair usando de outros métodos, e não o fiz. E não fiz porque fui pego de surpresa e estava distraído, duas coisas que nunca acontecem comigo.
Benjamin parou por um segundo, sua expressão suavizando-se sutilmente, enquanto ele olhava profundamente para Haysla.
– Eu estava olhando para você e... quer dizer, eu estava analisando você e sua amiga, para descobrir de quais planetas vocês eram. E eu estava usando uma grande parte do meu cérebro para isso. Não sei o porquê, sempre posso fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas eu estava excepcionalmente distraído.
O fato é que eu poderia ter te feito levitar e te posto de pé novamente, e não sei te explicar o porquê de não ter conseguido fazer.
– Ou seja... Haysla disse, quando finalmente conseguiu desviar sua atenção das palavras de Benjamin. – Você me deixou cair.
– Sim. Ele admitiu. – Mas não foi de propósito. Foi apenas uma ineficiência de minha parte.
– Eu achei que controle mental 10 te garantisse eficiência full time. Haysla falou, sorrindo. Ela gostou de comprovar que o todo poderoso professor Benjamin Thriskow não era perfeito.
– Eu também. Ele reconheceu.
– Você é pura propaganda enganosa. Haysla se levantou, parando de pé bem perto de Benjamin. – O professor perfeito. O professor amigo dos alunos. O professor que dá uns pegas nas alunas. O dono de controle mental 10. O cara que é incapaz de errar. O bonitão, sexy, sedutor... Você é só fama!!!
Ela soprava as palavras tão perto de Benjamin, que conseguia receber de volta o cheiro doce de seu hálito.
– Nunca achei que fosse incapaz de errar, só que eu fosse sempre capaz de controlar meu cérebro. E eu deveria ser. Ele se ajeitou na mesa, de forma que ficasse um pouco mais distante de Haysla. – Eu realmente gostaria que aceitasse minhas desculpas, mas, se não puder fazê-lo, saberei conviver com isso.
– Ah! Caia na real! Não faz nenhuma diferença pra mim, aceitar ou não as suas desculpas. Eu não perco meu tempo guardando rancor de você. Quer me dar suas desculpas, desculpas aceitas. Agora eu posso ir, Professor Thriskow?
– Pode sim. Benjamin disse duramente. – Tenha uma boa tarde.

Haysla saiu da sala sem olhar para trás.
Violyt a esperava encostada na parede. “E aí, o que ele queria?”
Haysla contava todos os detalhes da conversa mentalmente à Violyt, enquanto elas saiam da Academia.

Nem Haysla, nem Violyt podiam dirigir, as cartas de direção só eram concedidas aos alunos do 3º AL. Por isso, Vryan colocou um motorista à disposição das duas.
O carro era grande e bem moderno. Era todo de metal cromado e vidro, com um longo bico pontudo na parte da frente. As portas corriam para os lados ao comando da voz. Como todos os carros de Frantila, ele não tinha rodas. Os carros por ali, voavam. Por dentro ele era absurdamente elegante, com poltronas macias de um tecido felpudo. Os bancos traseiros formavam um U, parecido com os de uma limusine, mas menor.
De dentro de seu imponente carro com motorista, Haysla e Violyt voaram através das estradas de luz projetadas no ar.
A cidade onde ficava a sede da Uni Uni, seus prédios administrativos e os principais colégios, se chamava Ondina.
Era uma cidade muito bonita!
A arquitetura era num estilo pós moderno, com muito metal e vidro, mas convivia em perfeita harmonia com a natureza exuberante de Frantila.

A cidade fora construída em meio à floresta, e não no lugar dela.
As árvores monumentais, algumas maiores que os prédios, que se dividiam em tons que iam do verde escuro ao azul claro, as inúmeras plantas e flores das cores mais variadas, os incontáveis pássaros e aves multicoloridos que desfilavam seu voo gracioso pelo céu, o rio grandioso que cortava quase toda a cidade... Tudo tornava a paisagem ali absurdamente encantadora.
Haysla e Violyt estavam no planeta havia apenas três dias, e ainda não tinham se acostumado com tanta beleza.

Elas chegaram bem rápido à Blue Ville, a luxuosa Vila onde ficava a mansão de Vryan Rhieavatre e as de todos os 16 membros do ministério Uni Uni. Ela se chamava assim por causa das inúmeras e imponentes árvores com folhas azuis que desfilavam por suas calçadas cobertas de um complicado mosaico colorido. Vários canteiros de flores também se espalhavam por elas, cercados por pedras brancas.  
Haysla e Violyt passaram correndo pelo jardim impecável de seu novo lar.
Lindas e monumentais árvores conviviam em perfeita sincronia com muitas flores e plantas ornamentais. A fachada da casa finalizava a equação bem sucedida, misturando a modernidade dos vidros nas janelas e nos tijolos, com o rústico de grossas toras de uma madeira falsa, mas que parecia bem verdadeira.  

As duas subiram animadas em direção ao seu quarto conjunto.

Haysla e Violyt foram vizinhas desde que nasceram, em Ordleon. Mas essa era a primeira vez que dividiam um quarto, oficialmente.
O pai de Violyt, assim como Vryan, trabalhava na Uni Uni. Os dois estavam numa missão na Terra quando conheceram e se apaixonaram por duas terráqueas. Elas seguiram com eles para Ordleon, onde se casaram e tiveram Haysla e Violyt.
Quando Violyt tinha 5 anos, seu pai morreu durante uma missão da Uni Uni.
A partir daí, Vryan a tomou como uma filha. Não a respeito da parte financeira, pois seu pai lhe deixara uma boa herança, além da indenização que a Uni Uni pagou à sua família, por conta de sua morte em serviço. Era mais sobre a parte afetiva, mesmo. Vryan amava e cuidava de Violyt tanto quanto de Haysla.
Ela e sua mãe continuaram a morar em Ordleon por um tempo, numa casa que ficava ao lado da casa de Haysla. Mas depois que Vryan assumiu a presidência da Uni Uni, o trabalho e as viagens acabaram afastando-o de sua esposa. Quando Haysla tinha 9 anos, seus pais se separaram e sua mãe decidiu voltar para a Terra. A mãe de Violyt não achou prudente separar as duas, e resolveu ir pra Terra, junto com elas.
As duas continuaram a ser vizinhas, mas sempre inventavam desculpas para dormir uma na casa da outra.
Quando elas chegaram ao período de seus 17 anos, precisaram decidir seu futuro. Todos que quisessem ter algum tipo de carreira de qualquer natureza na Uni Uni, precisavam frequentar um AL e depois um EL. E isso era tudo o que elas queriam. Existiam escolas da União Universal em quase todos os planetas aliados. A única exceção era a Terra, pois seus governantes preferiam manter a existência de outros povos no universo em segredo da população. A Academia Frantila era, porém, a escola mais prestigiada e disputada por todos os alunos do universo. Havia uma prova bastante difícil a ser feita para ingressar nela, fora as vagas garantidas aos filhos dos ministros. Além disso, Vryan morava em Frantila, então as duas vieram morar com ele e suas mães ficaram na Terra.

Por isso, agora elas dividiam o mesmo quarto. E isso era uma festa!

Vryan havia caprichado na produção do quarto.
Duas camas enormes descansavam lado a lado, cobertas com colchas macias e rechonchudas, em tons de prata e vermelho, e muitas almofadas. Um projetor de última geração se punha em frente a uma enorme tela, onde podia-se assistir aos filmes e programação em geral em multi-D ou em versão hologrâmica, como elas preferissem. Ainda havia uma antessala com confortáveis poltronas, uma mesa para refeições, mesas para as duas estudarem com computadores moderníssimos, e um enorme banheiro com um gigantesco ofurô e um chuveiro que mais parecia uma catarata. Além de um closet que era maior que os antigos quartos terrestres das duas, juntos.  

Pousado sobre suas camas havia duas grandes caixas amarelas com o símbolo da Academia Frantila, e um bilhete.

“Para as duas meninas mais bonitas da escola. Em nenhuma outra eles jamais vestiram tão bem, tenho certeza.
Amor, Vryan.”

“Devem ser os uniformes da escola.” Violyt palpitou, animada.
“Juro que eu estou com medo de abrir.” Resmungou Haysla. “Cara, um uniforme amarelo e preto... eu vou me sentir uma abelha!”

Mas Haysla estava enganada. Os uniformes eram elegantérrimos!
O que Donank havia chamado de jaleco era, na verdade, um blazer de corte sublime. O tecido era parecido com um veludo de caimento perfeito, preto com finas listras diagonais amarelas. Em sua grande gola havia um luxuoso bordado geométrico também em amarelo e, do lado esquerdo, na altura do coração, o emblema da Uni Uni, a cima de onde se lia, ‘Academia Frantila de Estudo Universal’. Para cada uma, havia quatro blazers, dois com um tecido mais grosso, outros dois com um mais leve, e várias calças, saias e blusas pretas de diversos modelos, alguns trajes de ginástica, pares de sapatos, sandálias e botas, e uma bolsa de couro preta também com o emblema da Uni Uni.
As duas ficaram encantadas com sua nova indumentária e não sossegaram enquanto não desfilaram cada possível combinação de peças.

A noite foi pequena para a enxurrada de perguntas e comentários que elas tinham para trocar com Vryan. Ele estava absurdamente feliz por ter suas duas meninas de volta. Sentado de pernas cruzadas no chão do quarto das duas, o enorme homem branco, com os cabelos cacheados de um louro claríssimo e incríveis olhos azuis, mais parecia um adolescente deslumbrado, do que o poderoso presidente da União Universal.
Em frente a uma enorme tela de computador projetado no ar, os três sentaram-se juntos, enquanto Vryan mostrava-lhe imagens e esclarecia todas as suas dúvidas sobre cada povo do universo.



Na manhã seguinte, Violyt saiu vestindo uma elegante pantalona preta e, Haysla, uma minissaia e botas de cano e salto alto, também pretas, acompanhadas, claro, por seus novos e elegantes blazers.
Atrás de suas novas indumentárias e armadas com muito mais informações a respeito dos colegas, as duas atravessaram o grande portão da Academia Frantila com muito mais confiança.

Como naquele dia ninguém precisava fazer nenhum teste, todos os alunos chegaram no horário normal, de modo que elas cruzaram com vários deles já no salão principal da Academia. Alguns deles elas já conheciam, e a irreverência de Haysla já a deixava à vontade com eles.
Ao longo do dia, elas conheciam e se tornavam íntimas de mais e mais alunos.

As aulas não foram tão divertidas quanto a aula inaugural, já que nenhum outro professor era tão cativante quanto Benjamin. Isso até Haysla teve que admitir. Mas as informações eram sempre tão novas que elas prestavam bastante atenção.
O dia letivo era longo na Academia Frantila. Para o 1º e 2º AL’ s, as aulas se iniciavam às 7 da manhã e só terminavam às 4 da tarde, para as turmas mais avançadas terminava às 5 da tarde. Os monitores precisavam ficar até ainda mais tarde, para repor as horas gastas com suas monitorias. O aprendizado também era puxado. O 1º AL tinha 16 matérias, todas obrigatórias. Não havia eletivas para eles. As eletivas começavam no 2º AL, quando os alunos podiam experimentar matérias das diversas áreas e se direcionar para o ramo profissional que gostariam de seguir.  

Embora as aulas estivessem obtendo sucesso em atrair a atenção de Violyt e Haysla, elas respiraram aliviadas quando chegou a hora do almoço. Os professores estavam indo com calma com a enxurrada de informações, mas, mesmo assim, era coisa demais para um dia só.
Violyt e Haysla foram se servir e sentaram-se na mesma mesa que Shiva e Noaha, as duas com quem estavam se entrosando melhor, até o momento. As quatro garotas engataram numa conversa sem fim sobre a Terra, intercalando as aventuras vividas pela turma do 4º AL, com as vividas por Haysla e Violyt durante os 8 anos que viveram lá.

– Posso me sentar com vocês? Perguntou uma novata que elas já conheciam de vista, da sua turma. Ele era mestiça, uma mistura de pliniana com waniana. Era uma garota exótica, tinha a pele morena, os olhos castanhos e os cabelos ruivos e cacheados. – Eu sou nova aqui e ainda não conheço ninguém.
– Claro. Todas responderam ao mesmo tempo.
– Como é o seu nome mesmo? Perguntou Shiva.
A garota já havia sido chamada em uma das aulas pelo professor, mas ele mencionara apenas seu sobrenome.
Haysla estava aliviada por não ter sido chamada por nenhum professor até o momento. Ela gostaria que isso demorasse bastante para acontecer, para que tivesse tempo de conquistar todos por si só, o que parecia que não demoraria. Depois que seu sobrenome fosse mencionado, ela passaria a ser admirada por ser a filha de Vryan Rhieavatre.
– Dandara Lentz. A garota respondeu, um pouco tímida. Ela se sentou ao lado de Violyt com seu prato e começou a comer em silêncio.
Violyt sentiu pena da garota. Ela também estivera muito nervosa no dia anterior, e nem estava sozinha. Ter Haysla por perto fazia tudo ficar muito mais fácil pra ela. Ela imaginava como seria constrangedor chegar neste colégio tão poderoso, cheio de pessoas com todo o tipo de dons, sem conhecer ninguém.
– Você é bonita. Violyt falou para a garota numa tentativa de entrosá-la.
 A garota deu um sorrisinho de agradecimento.
– É uma combinação meio estranha. Dandara disse, dando de ombros. – Esse cabelo vermelho com a pele morena, não combina.
– Faz você ser única. Haysla comentou. – Quantas pessoas você já viu aqui com os olhos azuis, cabelo castanho e a pele morena? Pelo menos por aqui, sou a única. E eu juro, adoro isso!
– Puxa! Dandara exclamou, em surpresa. – Você está fazendo algum tipo de comparação? Não tem comparação. A combinação dos seus olhos com a sua pele é incrível! Aliás, você é a garota mais linda que eu já vi na vida.
Haysla deu um sorriso satisfeito.
– Não que vocês todas não sejam bonitas, são lindas e eu invejo todas. Mas é que a Haysla é sensual... a presença dela é inebriante.
Violyt percebeu que Haysla começava a gostar da garota. Haysla sempre teve pessoas que a bajulavam em torno dela, esse parecia ser o caso ali.
– Como você sabe meu nome? Haysla perguntou, ainda sorrindo.
– Ouvi vocês conversando na sala, sei o nome de todas.

“Hay”. Violyt a chamou mentalmente. “Reparou ali atrás o gato que não tira os olhos de você?”
“Não.” Haysla respondeu, surpresa, já se virando para a mesa que Violyt olhava. Ela agora ignorava totalmente a conversa ao seu redor.
“Caraca, Haysla! Não dava pra ser mais sutil?”
“Pra quê? O cara não está olhando pra mim? Também posso olhar pra ele.” Haysla olhou para todos os garotos da mesa em questão, mas nenhum olhava para ela. “Quem é o cara?”
“Claro que ele parou de olhar quando você deu essa sua virada estratégica.” Violyt mentalizou, enviando à Haysla um replay de sua virada. “É o Trolk do 4ºAL.”

Na mesa só havia garotos do 4º AL.

Os alunos do 4º AL usavam roupas nas cores preto e azul. Mas agora que elas conseguiam identificar a origem das pessoas por sua aparência física, era fácil distinguir qual deles era um trolk. Os trolks tinham a pele branca e os cabelos lisos e num tom de loiro não muito claro. Os olhos eram de um incrível verde jade. Os corpos eram sempre bem definidos e muito musculosos. O trolk em questão tinha seu cabelo loiro bem despojado, com um topete meio desestruturado, um sorriso delicioso e os traços lindíssimos!

“Um trolk? Que tudo!” Haysla gostou daquilo.

Os trolks eram o povo mais forte e mais rápido entre os aliados.
Eles eram os únicos com força e velocidade em grau 10.  Seu controle corporal também era 10. Além disso, eles produziam uma substância chamada ielekina. Era uma substância grudenta que eles exalavam intencionalmente pela pele e que os permitia escalar tudo o que quisessem.
Seu controle mental era grau 3 e sua telepatia era grau 1, e eles não possuíam nenhum dom extra de natureza mental. Mas isso não importou para Haysla, ela estava mesmo interessada na força dele.

Na Terra, a força física sempre foi um problema para Haysla e Violyt, quando o assunto era namorar. A força dos ordeanos ia do grau 4 ao 6, e a dos terráqueos, do grau 2 ao 4. A força e a velocidade eram duas características com graus variáveis entre os indivíduos de um planeta, variando entre três pontos. Isso significava que, se Haysla e Violyt estivessem entre as pessoas mais fracas de Ordleon, o que não deveria estar muito longe da verdade, tendo em vista que elas eram garotas e que não praticavam musculação, elas teriam grau 4 de força. Isso as faria ter a mesma força que o homem mais forte de todo o planeta Terra.

Na hora de namorar, isso era uma droga!
Elas tinham que ponderar a força o tempo todo, ou o termo ‘dar um amasso’, seria levado ao pé da letra, quando elas estavam com um cara. Além disso, estar com um cara tão mais fraco que elas não era, exatamente, algo excitante. Elas queriam um homem mais forte que elas, como era com suas amigas. Isso as impediu de ir muito adiante quando o assunto era intimidade física.

E se Haysla queria um homem mais forte que ela, agora ela estava no caminho certo. O homem que a estava paquerando era pura força!

Ao perceber que Haysla olhava para o trolk, um de seus amigos deu uma cotovelada nele, cochichando alguma coisa em seu ouvido. O garoto voltou a olhar para Haysla. Quando seus olhares se cruzaram, ele abriu um sorriso levemente constrangido para ela. O sorriso que Haysla lhe abriu em resposta, de constrangido, não tinha nada.

– Quem você está paquerando, Hay? Shiva perguntou, disfarçadamente virando-se para olhar pra mesa de trás.
– O trolk do 4º AL, daquela mesa ali. Haysla respondeu fazendo um movimento de cabeça nada sutil. – Você o conhece?
– O nome dele é Keynel Ghowbranty. Foi Noaha quem respondeu. – Ele é irmão da Kristin, aquela trolk que senta atrás de você.  
– E é, além de um mega gato, o monitor de controle corporal. Shiva acrescentou.
– Monitor de controle corporal? Haysla repetiu, interessada. – Ele vai ajudar nas nossas aulas?
– Sim. Shiva disse, sorrindo. – E você sabe qual é o nosso último horário de hoje?
– Sei. Mas não vou esperar até lá. Haysla falou, decidida.

O cara era um mega gato, estava olhando pra ela, e ela estava mesmo com saudades de uma paquera.
Por que ela perderia tempo?
Nunca em sua vida Haysla esperou que um homem se decidisse sozinho, ela sempre deu um jeito de decidir por eles. Não seria diferente agora.
Talvez os dois se dessem bem. Talvez pudesse rolar uns amassos. Talvez até um namoro. Mas se nada saísse dali, pelo menos ela teria uma distração. Alguma coisa que desviasse seu cérebro de um assunto que, mesmo muito desagradável, insistia em visitá-lo; Professor Benjamin Thriskow.
Se paquerar aquele gato fosse ao menos útil para distraí-la deste pensamento, então seria bem útil.

– Vou buscar um doce. Ela avisou.
– Alguma coisa me diz que você não quer que a gente te espere aqui. Violyt comentou.
– É alguma coisa bem esperta, essa. Haysla brincou, já se levantando da mesa. – Encontro vocês na sala.

Haysla seguiu andando em direção à mesa, uma expressão de ‘eu sou gostosa’ estava bem estampada em seu rosto. Ela olhou para Keynel do jeito mais sedutor que conseguiu... e isso era bastante sedutor. Ele sorriu para ela, mas, desta vez, ela não sorriu em resposta. Haysla apenas continuou a olhar para ele, suavizando a intensidade de seu olhar ao se aproximar da mesa de doces.
Pegou um prato de sobremesa e colocou nele a primeira coisa que tinha a sua frente, sem nem mesmo ver do que se tratava. Virando-se para o lado de Keynel, Haysla segurou uma bolinha na mão e a pôs em sua boca. Ela não olhava mais para Keynel, mas cuidava para que a inclinação de seu rosto proporcionasse ao rapaz uma visão perfeita da mordida sensual que ela dava no doce. Doce este que ela acabara de perceber que não gostava nem um pouco. Era de uma fruta que ela não reconhecia, e tinha uma nota ácida ao fundo. Haysla não entendia como algo podia ser, ao mesmo tempo, tão doce e tão azedo. Ela queria cuspir o troço, mas não deixou isso transparecer. Quem olhava para Haysla podia jurar que ela comia seu doce preferido.
Sem olhar novamente para a mesa onde estava o objeto de sua paquera, ela seguiu até sua própria mesa, sentando-se de costas para ele.

Haysla cuspiu o resto do doce, enrolando-o em um guardanapo, e se permitiu fazer uma careta para aquele troço de gosto esquisito, enquanto contava mentalmente.
1, 2, 3, 4,...

– Com licença. Uma voz masculina grossa e ligeiramente rouca disse, por trás dela.
 Ele foi rápido, Haysla se gabou, animada.
– Pois não. Ela respondeu, apenas olhando-o de rabo de olho.
– Será que eu poderia me sentar com você? Keynel perguntou, inclinando suavemente seu corpo em direção à Haysla.
– Depende. Ela respondeu com um ar indiferente. – O que você quer aqui?
– Você quer a verdade, ou quer que eu arrume uma desculpa? Ele disse, um leve sorriso em seu rosto.
Haysla gostou daquilo. Parecia que ele estava disposto a jogar seu jogo.
– Depende de novo. Você é criativo?
– Criatividade não é o meu ponto forte, mas posso me esforçar.
– Então se esforce. Mas acho bom se esforçar pra valer, sou bastante exigente.
Keynel respirou fundo, prendeu um pouco a boca e deixou um ‘hum’ escapar dela enquanto pensava.
– Eu estou fazendo um trabalho sobre a mistura de genes entre os diferentes povos do universo ao longo dos anos, e as consequências sobre a mútua convivência de genes distintos em um mesmo organismo, bem como suas influências nas capacidades mentais e físicas de cada indivíduo. Como eu percebi que você é mestiça, achei que talvez pudesse me responder algumas perguntas. Não temos muito material para este tipo de pesquisa aqui na Academia, isso tem tornado meu trabalho mais difícil.

Keynel lançou um olhar apreensivo para Haysla.
Ele sorria. Ela sorriu também.
Haysla gostou de seu esforço e achou que ele fora sim, bastante criativo.    

– E aí? Keynel perguntou, depois de alguns segundos. Ele ainda sorria, mas era um sorriso um pouco tenso. Ou um falso tenso, talvez. – Foi muito ruim?
– Na verdade, não. Haysla admitiu. – Para quem não tem a criatividade como seu ponto forte, você até que foi bem razoável!
– Isso significa que eu posso me sentar? Ele perguntou, um sorriso bem mais aberto em seu rosto.
– Significa que você conquistou este direito. Mas apenas este direito. Para conquistar outros, você precisará se esforçar bem mais.
Haysla não achava que ele precisaria se esforçar tanto. Estava gostando do cara... Mas gostava ainda mais do joguinho que fazia com ele.
Keynel sentou-se de frente para Haysla. – Posso começar perguntando sua descendência? Ordeana e...
– Ordeana e terráquea. Haysla respondeu, a expressão séria. – Próxima.
Keynel deu uma risadinha gostosa. – Você conhece a Terra? Eu acabei de vir de lá.
– Ah! Verdade. Você é a turma do 4º AL. A famosa excursão.
– Pois é. A minha turma foi quase toda.
– Eu conheço a Terra. Haysla respondeu bem séria. Ainda estava jogando.
– Como é o seu nome? Keynel perguntou, abrindo um guardanapo de papel na mesa e tirando uma caneta do bolso de seu blazer.
Haysla franziu a testa para ele. Será que ele já quer anotar meu número de telefone? Ela se perguntou.
– Vou te entrevistar, preciso anotar as respostas. Keynel brincou.
Haysla não resistiu, deu uma risada.
Keynel era um cara interessante!
– Haysla. Ela respondeu, sem mencionar seu sobrenome, não vinha ao caso ali. – E o seu? O cara não precisava saber que ela já tinha a ficha dele.
– Haysla, só? Ele questionou, claramente sentindo falta de seu sobrenome.
– Haysla, só. Ela confirmou.
– Neste caso, Keynel, só. Ele disse, dando de ombros.
– Então, ‘Keynel só’, próxima pergunta. Haysla continuou o jogo.
– Você gosta de tinhaába? Keynel perguntou, fazendo uma careta.
– Hã? Haysla indagou, franzindo a testa. – Que diabos é tinhaába?
Keynel apenas apontou para o doce dela. A careta ainda presente em seu rosto.
– Ah! O que isso tem a ver com a sua pesquisa?
– É que eu acabei de desenvolver a teoria de que algumas combinações genéticas podem gerar sérios efeitos colaterais. Como, por exemplo, danificar severamente a sanidade mental do paladar das pessoas. Ah, fala sério! Esse troço é horrível! Como é que um troço pode ser enjoativo de tão doce e, ao mesmo tempo, tão azedo e ácido? Ui! Keynel fez outra careta, ao mesmo instante em que seu corpo tremeu. – Eu fico nervoso só de pensar.
Haysla queria saber por onde sua sorte fora passear. Com tantos doces naquela mesa enorme, ela precisava mesmo ter pego o doce ‘mais notoriamente ruim’?
– Se estava na mesa, é porque algumas pessoas gostam. Tentou justificar-se.
– Ah, claro! Os aftúnios gostam. Mas os aftúnios não são, exatamente, um modelo de sanidade mental, né?
– Você está me chamando de louca? Haysla perguntou, sorrindo. Estava gostando da descontração de Keynel, embora não estivesse gostando de ter seu fingimento tão próximo de ser desmascarado.
– De forma alguma. Apenas de possuidora de um paladar duvidoso. Ele respondeu, tentando prender o riso.
– Esse tinhá sei lá o quê tem o gosto singular. Gosto de coisas singulares. Foi a melhor desculpa que Haysla conseguiu pensar.
– Hã. Keynel balbuciou, o pensamento distante. – Você é singular.
– Pois é. Haysla falou, dando de ombros. – Gosto de mim.
– Pelo menos eu descobri alguma coisa que a gente tem em comum. Ele falou, assumindo uma expressão mais séria e sensual.
Haysla não conseguiu segurar seu sorriso de satisfação.
– Certo, ‘Keynel só’, próxima pergunta. E é melhor focar na sua pesquisa.

Enquanto pensava, Keynel batia a caneta na mesa, criando um irritante barulho.

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2 comentários:

  1. Esse livro é um amor!
    Legal que você tá postando os capítulos 😉
    Beijos, Lorena

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  2. A capa está arrasadora e o post me fez se interessar pelo livro !

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