Livro : O Beijo da Morte
Autora : Judie Castilho
CapĂtulos : CapĂtulo 4
CapĂtulo 4.
DistraĂ§Ă£o.
“Estou aqui em missĂ£o de paz.” Benjamin mentalizou para Haysla. “Gosto de me dar bem com meus alunos, e nĂ³s dois começamos com o pĂ© esquerdo.”
“Com o pĂ© esquerdo rolando junto com o direito escadaria abaixo, vocĂª quer dizer.” Haysla enviou seu pensamento a ele, junto com a lembrança dele se encolhendo para que ela nĂ£o conseguisse encostar-lhe.
“Me desculpe por isso...” Benjamin começava a se explicar, quando Haysla o interrompeu.
– VocĂª pode falar em voz alta, ou acabou com seu estoque de voz com toda aquela tagarelice inĂºtil sobre regras e namoros entre professores e alunos?
Haysla nĂ£o estava confortĂ¡vel conversando com Benjamin mentalmente.
Ela estava bastante acostumada com isso, mas apenas com Violyt e com seu pai. Com sua mĂ£e, algumas vezes, mas era diferente, jĂ¡ que ela precisava recolher as mensagens de dentro da mente dela. AlĂ©m disso, um Klyso possuĂa controle mental em grau 10 e ela nĂ£o sabia qual era seu grau telepĂ¡tico, mas se ele seria o professor de tal matĂ©ria, com certeza era alto. Isso a fazia ter medo de que ele entrasse em sua mente e lesse os pensamentos que ela nĂ£o queria que ele tomasse conhecimento. Era mais fĂ¡cil manter um total bloqueio mental eficiente quando ela nĂ£o estava se comunicando mentalmente com o objeto de seu bloqueio.
– Eu posso. Benjamin respondeu, sorrindo, mas com a testa franzida. – Ainda me resta um pouquinho de voz. Mas por quĂª? VocĂª tem telepatia em grau 9, deveria ser muito fĂ¡cil para vocĂª se comunicar mentalmente.
– Isso nĂ£o te interessa. Mas como vocĂª sabe que eu tenho telepatia em grau 9?
Benjamin respirou fundo, apertando os olhos com força. – Eu recebi sua ficha, sei tudo que preciso a seu respeito. E, na verdade, isso me interessa sim. Sou seu professor de Telepatia, lembra?
– NĂ³s estamos em aula? Haysla perguntou, cruzando os braços. – Eu achei que nĂ£o.
– NĂ£o, nĂ³s nĂ£o estamos em aula e vocĂª tem razĂ£o, isso nĂ£o me interessa. Benjamin jĂ¡ nĂ£o sorria e nem parecia mais ser aquele professor simpĂ¡tico e agradĂ¡vel. – Eu sĂ³ queria te pedir desculpas. NĂ£o por eu nĂ£o ter te encostado, porque eu realmente nĂ£o poderia tĂª-lo feito, jĂ¡ que nĂ£o sabia se vocĂª era tolerante a mim. Mas porque eu podia ter te impedido de cair usando de outros mĂ©todos, e nĂ£o o fiz. E nĂ£o fiz porque fui pego de surpresa e estava distraĂdo, duas coisas que nunca acontecem comigo.
Benjamin parou por um segundo, sua expressĂ£o suavizando-se sutilmente, enquanto ele olhava profundamente para Haysla.
– Eu estava olhando para vocĂª e... quer dizer, eu estava analisando vocĂª e sua amiga, para descobrir de quais planetas vocĂªs eram. E eu estava usando uma grande parte do meu cĂ©rebro para isso. NĂ£o sei o porquĂª, sempre posso fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas eu estava excepcionalmente distraĂdo.
O fato Ă© que eu poderia ter te feito levitar e te posto de pĂ© novamente, e nĂ£o sei te explicar o porquĂª de nĂ£o ter conseguido fazer.
– Ou seja... Haysla disse, quando finalmente conseguiu desviar sua atenĂ§Ă£o das palavras de Benjamin. – VocĂª me deixou cair.
– Sim. Ele admitiu. – Mas nĂ£o foi de propĂ³sito. Foi apenas uma ineficiĂªncia de minha parte.
– Eu achei que controle mental 10 te garantisse eficiĂªncia full time. Haysla falou, sorrindo. Ela gostou de comprovar que o todo poderoso professor Benjamin Thriskow nĂ£o era perfeito.
– Eu tambĂ©m. Ele reconheceu.
– VocĂª Ă© pura propaganda enganosa. Haysla se levantou, parando de pĂ© bem perto de Benjamin. – O professor perfeito. O professor amigo dos alunos. O professor que dĂ¡ uns pegas nas alunas. O dono de controle mental 10. O cara que Ă© incapaz de errar. O bonitĂ£o, sexy, sedutor... VocĂª Ă© sĂ³ fama!!!
Ela soprava as palavras tĂ£o perto de Benjamin, que conseguia receber de volta o cheiro doce de seu hĂ¡lito.
– Nunca achei que fosse incapaz de errar, sĂ³ que eu fosse sempre capaz de controlar meu cĂ©rebro. E eu deveria ser. Ele se ajeitou na mesa, de forma que ficasse um pouco mais distante de Haysla. – Eu realmente gostaria que aceitasse minhas desculpas, mas, se nĂ£o puder fazĂª-lo, saberei conviver com isso.
– Ah! Caia na real! NĂ£o faz nenhuma diferença pra mim, aceitar ou nĂ£o as suas desculpas. Eu nĂ£o perco meu tempo guardando rancor de vocĂª. Quer me dar suas desculpas, desculpas aceitas. Agora eu posso ir, Professor Thriskow?
– Pode sim. Benjamin disse duramente. – Tenha uma boa tarde.
Haysla saiu da sala sem olhar para trĂ¡s.
Violyt a esperava encostada na parede. “E aĂ, o que ele queria?”
Haysla contava todos os detalhes da conversa mentalmente Ă Violyt, enquanto elas saiam da Academia.
Nem Haysla, nem Violyt podiam dirigir, as cartas de direĂ§Ă£o sĂ³ eram concedidas aos alunos do 3º AL. Por isso, Vryan colocou um motorista Ă disposiĂ§Ă£o das duas.
O carro era grande e bem moderno. Era todo de metal cromado e vidro, com um longo bico pontudo na parte da frente. As portas corriam para os lados ao comando da voz. Como todos os carros de Frantila, ele nĂ£o tinha rodas. Os carros por ali, voavam. Por dentro ele era absurdamente elegante, com poltronas macias de um tecido felpudo. Os bancos traseiros formavam um U, parecido com os de uma limusine, mas menor.
De dentro de seu imponente carro com motorista, Haysla e Violyt voaram através das estradas de luz projetadas no ar.
A cidade onde ficava a sede da Uni Uni, seus prédios administrativos e os principais colégios, se chamava Ondina.
Era uma cidade muito bonita!
A arquitetura era num estilo pĂ³s moderno, com muito metal e vidro, mas convivia em perfeita harmonia com a natureza exuberante de Frantila.
A cidade fora construĂda em meio Ă floresta, e nĂ£o no lugar dela.
As Ă¡rvores monumentais, algumas maiores que os prĂ©dios, que se dividiam em tons que iam do verde escuro ao azul claro, as inĂºmeras plantas e flores das cores mais variadas, os incontĂ¡veis pĂ¡ssaros e aves multicoloridos que desfilavam seu voo gracioso pelo cĂ©u, o rio grandioso que cortava quase toda a cidade... Tudo tornava a paisagem ali absurdamente encantadora.
Haysla e Violyt estavam no planeta havia apenas trĂªs dias, e ainda nĂ£o tinham se acostumado com tanta beleza.
Elas chegaram bem rĂ¡pido Ă Blue Ville, a luxuosa Vila onde ficava a mansĂ£o de Vryan Rhieavatre e as de todos os 16 membros do ministĂ©rio Uni Uni. Ela se chamava assim por causa das inĂºmeras e imponentes Ă¡rvores com folhas azuis que desfilavam por suas calçadas cobertas de um complicado mosaico colorido. VĂ¡rios canteiros de flores tambĂ©m se espalhavam por elas, cercados por pedras brancas.
Haysla e Violyt passaram correndo pelo jardim impecĂ¡vel de seu novo lar.
Lindas e monumentais Ă¡rvores conviviam em perfeita sincronia com muitas flores e plantas ornamentais. A fachada da casa finalizava a equaĂ§Ă£o bem sucedida, misturando a modernidade dos vidros nas janelas e nos tijolos, com o rĂºstico de grossas toras de uma madeira falsa, mas que parecia bem verdadeira.
As duas subiram animadas em direĂ§Ă£o ao seu quarto conjunto.
Haysla e Violyt foram vizinhas desde que nasceram, em Ordleon. Mas essa era a primeira vez que dividiam um quarto, oficialmente.
O pai de Violyt, assim como Vryan, trabalhava na Uni Uni. Os dois estavam numa missĂ£o na Terra quando conheceram e se apaixonaram por duas terrĂ¡queas. Elas seguiram com eles para Ordleon, onde se casaram e tiveram Haysla e Violyt.
Quando Violyt tinha 5 anos, seu pai morreu durante uma missĂ£o da Uni Uni.
A partir daĂ, Vryan a tomou como uma filha. NĂ£o a respeito da parte financeira, pois seu pai lhe deixara uma boa herança, alĂ©m da indenizaĂ§Ă£o que a Uni Uni pagou Ă sua famĂlia, por conta de sua morte em serviço. Era mais sobre a parte afetiva, mesmo. Vryan amava e cuidava de Violyt tanto quanto de Haysla.
Ela e sua mĂ£e continuaram a morar em Ordleon por um tempo, numa casa que ficava ao lado da casa de Haysla. Mas depois que Vryan assumiu a presidĂªncia da Uni Uni, o trabalho e as viagens acabaram afastando-o de sua esposa. Quando Haysla tinha 9 anos, seus pais se separaram e sua mĂ£e decidiu voltar para a Terra. A mĂ£e de Violyt nĂ£o achou prudente separar as duas, e resolveu ir pra Terra, junto com elas.
As duas continuaram a ser vizinhas, mas sempre inventavam desculpas para dormir uma na casa da outra.
Quando elas chegaram ao perĂodo de seus 17 anos, precisaram decidir seu futuro. Todos que quisessem ter algum tipo de carreira de qualquer natureza na Uni Uni, precisavam frequentar um AL e depois um EL. E isso era tudo o que elas queriam. Existiam escolas da UniĂ£o Universal em quase todos os planetas aliados. A Ăºnica exceĂ§Ă£o era a Terra, pois seus governantes preferiam manter a existĂªncia de outros povos no universo em segredo da populaĂ§Ă£o. A Academia Frantila era, porĂ©m, a escola mais prestigiada e disputada por todos os alunos do universo. Havia uma prova bastante difĂcil a ser feita para ingressar nela, fora as vagas garantidas aos filhos dos ministros. AlĂ©m disso, Vryan morava em Frantila, entĂ£o as duas vieram morar com ele e suas mĂ£es ficaram na Terra.
Por isso, agora elas dividiam o mesmo quarto. E isso era uma festa!
Vryan havia caprichado na produĂ§Ă£o do quarto.
Duas camas enormes descansavam lado a lado, cobertas com colchas macias e rechonchudas, em tons de prata e vermelho, e muitas almofadas. Um projetor de Ăºltima geraĂ§Ă£o se punha em frente a uma enorme tela, onde podia-se assistir aos filmes e programaĂ§Ă£o em geral em multi-D ou em versĂ£o hologrĂ¢mica, como elas preferissem. Ainda havia uma antessala com confortĂ¡veis poltronas, uma mesa para refeições, mesas para as duas estudarem com computadores modernĂssimos, e um enorme banheiro com um gigantesco ofurĂ´ e um chuveiro que mais parecia uma catarata. AlĂ©m de um closet que era maior que os antigos quartos terrestres das duas, juntos.
Pousado sobre suas camas havia duas grandes caixas amarelas com o sĂmbolo da Academia Frantila, e um bilhete.
“Para as duas meninas mais bonitas da escola. Em nenhuma outra eles jamais vestiram tĂ£o bem, tenho certeza.
Amor, Vryan.”
“Devem ser os uniformes da escola.” Violyt palpitou, animada.
“Juro que eu estou com medo de abrir.” Resmungou Haysla. “Cara, um uniforme amarelo e preto... eu vou me sentir uma abelha!”
Mas Haysla estava enganada. Os uniformes eram elegantérrimos!
O que Donank havia chamado de jaleco era, na verdade, um blazer de corte sublime. O tecido era parecido com um veludo de caimento perfeito, preto com finas listras diagonais amarelas. Em sua grande gola havia um luxuoso bordado geomĂ©trico tambĂ©m em amarelo e, do lado esquerdo, na altura do coraĂ§Ă£o, o emblema da Uni Uni, a cima de onde se lia, ‘Academia Frantila de Estudo Universal’. Para cada uma, havia quatro blazers, dois com um tecido mais grosso, outros dois com um mais leve, e vĂ¡rias calças, saias e blusas pretas de diversos modelos, alguns trajes de ginĂ¡stica, pares de sapatos, sandĂ¡lias e botas, e uma bolsa de couro preta tambĂ©m com o emblema da Uni Uni.
As duas ficaram encantadas com sua nova indumentĂ¡ria e nĂ£o sossegaram enquanto nĂ£o desfilaram cada possĂvel combinaĂ§Ă£o de peças.
A noite foi pequena para a enxurrada de perguntas e comentĂ¡rios que elas tinham para trocar com Vryan. Ele estava absurdamente feliz por ter suas duas meninas de volta. Sentado de pernas cruzadas no chĂ£o do quarto das duas, o enorme homem branco, com os cabelos cacheados de um louro clarĂssimo e incrĂveis olhos azuis, mais parecia um adolescente deslumbrado, do que o poderoso presidente da UniĂ£o Universal.
Em frente a uma enorme tela de computador projetado no ar, os trĂªs sentaram-se juntos, enquanto Vryan mostrava-lhe imagens e esclarecia todas as suas dĂºvidas sobre cada povo do universo.
Na manhĂ£ seguinte, Violyt saiu vestindo uma elegante pantalona preta e, Haysla, uma minissaia e botas de cano e salto alto, tambĂ©m pretas, acompanhadas, claro, por seus novos e elegantes blazers.
AtrĂ¡s de suas novas indumentĂ¡rias e armadas com muito mais informações a respeito dos colegas, as duas atravessaram o grande portĂ£o da Academia Frantila com muito mais confiança.
Como naquele dia ninguĂ©m precisava fazer nenhum teste, todos os alunos chegaram no horĂ¡rio normal, de modo que elas cruzaram com vĂ¡rios deles jĂ¡ no salĂ£o principal da Academia. Alguns deles elas jĂ¡ conheciam, e a irreverĂªncia de Haysla jĂ¡ a deixava Ă vontade com eles.
Ao longo do dia, elas conheciam e se tornavam Ăntimas de mais e mais alunos.
As aulas nĂ£o foram tĂ£o divertidas quanto a aula inaugural, jĂ¡ que nenhum outro professor era tĂ£o cativante quanto Benjamin. Isso atĂ© Haysla teve que admitir. Mas as informações eram sempre tĂ£o novas que elas prestavam bastante atenĂ§Ă£o.
O dia letivo era longo na Academia Frantila. Para o 1º e 2º AL’ s, as aulas se iniciavam Ă s 7 da manhĂ£ e sĂ³ terminavam Ă s 4 da tarde, para as turmas mais avançadas terminava Ă s 5 da tarde. Os monitores precisavam ficar atĂ© ainda mais tarde, para repor as horas gastas com suas monitorias. O aprendizado tambĂ©m era puxado. O 1º AL tinha 16 matĂ©rias, todas obrigatĂ³rias. NĂ£o havia eletivas para eles. As eletivas começavam no 2º AL, quando os alunos podiam experimentar matĂ©rias das diversas Ă¡reas e se direcionar para o ramo profissional que gostariam de seguir.
Embora as aulas estivessem obtendo sucesso em atrair a atenĂ§Ă£o de Violyt e Haysla, elas respiraram aliviadas quando chegou a hora do almoço. Os professores estavam indo com calma com a enxurrada de informações, mas, mesmo assim, era coisa demais para um dia sĂ³.
Violyt e Haysla foram se servir e sentaram-se na mesma mesa que Shiva e Noaha, as duas com quem estavam se entrosando melhor, atĂ© o momento. As quatro garotas engataram numa conversa sem fim sobre a Terra, intercalando as aventuras vividas pela turma do 4º AL, com as vividas por Haysla e Violyt durante os 8 anos que viveram lĂ¡.
– Posso me sentar com vocĂªs? Perguntou uma novata que elas jĂ¡ conheciam de vista, da sua turma. Ele era mestiça, uma mistura de pliniana com waniana. Era uma garota exĂ³tica, tinha a pele morena, os olhos castanhos e os cabelos ruivos e cacheados. – Eu sou nova aqui e ainda nĂ£o conheço ninguĂ©m.
– Claro. Todas responderam ao mesmo tempo.
– Como Ă© o seu nome mesmo? Perguntou Shiva.
A garota jĂ¡ havia sido chamada em uma das aulas pelo professor, mas ele mencionara apenas seu sobrenome.
Haysla estava aliviada por nĂ£o ter sido chamada por nenhum professor atĂ© o momento. Ela gostaria que isso demorasse bastante para acontecer, para que tivesse tempo de conquistar todos por si sĂ³, o que parecia que nĂ£o demoraria. Depois que seu sobrenome fosse mencionado, ela passaria a ser admirada por ser a filha de Vryan Rhieavatre.
– Dandara Lentz. A garota respondeu, um pouco tĂmida. Ela se sentou ao lado de Violyt com seu prato e começou a comer em silĂªncio.
Violyt sentiu pena da garota. Ela tambĂ©m estivera muito nervosa no dia anterior, e nem estava sozinha. Ter Haysla por perto fazia tudo ficar muito mais fĂ¡cil pra ela. Ela imaginava como seria constrangedor chegar neste colĂ©gio tĂ£o poderoso, cheio de pessoas com todo o tipo de dons, sem conhecer ninguĂ©m.
– VocĂª Ă© bonita. Violyt falou para a garota numa tentativa de entrosĂ¡-la.
A garota deu um sorrisinho de agradecimento.
– É uma combinaĂ§Ă£o meio estranha. Dandara disse, dando de ombros. – Esse cabelo vermelho com a pele morena, nĂ£o combina.
– Faz vocĂª ser Ăºnica. Haysla comentou. – Quantas pessoas vocĂª jĂ¡ viu aqui com os olhos azuis, cabelo castanho e a pele morena? Pelo menos por aqui, sou a Ăºnica. E eu juro, adoro isso!
– Puxa! Dandara exclamou, em surpresa. – VocĂª estĂ¡ fazendo algum tipo de comparaĂ§Ă£o? NĂ£o tem comparaĂ§Ă£o. A combinaĂ§Ă£o dos seus olhos com a sua pele Ă© incrĂvel! AliĂ¡s, vocĂª Ă© a garota mais linda que eu jĂ¡ vi na vida.
Haysla deu um sorriso satisfeito.
– NĂ£o que vocĂªs todas nĂ£o sejam bonitas, sĂ£o lindas e eu invejo todas. Mas Ă© que a Haysla Ă© sensual... a presença dela Ă© inebriante.
Violyt percebeu que Haysla começava a gostar da garota. Haysla sempre teve pessoas que a bajulavam em torno dela, esse parecia ser o caso ali.
– Como vocĂª sabe meu nome? Haysla perguntou, ainda sorrindo.
– Ouvi vocĂªs conversando na sala, sei o nome de todas.
“Hay”. Violyt a chamou mentalmente. “Reparou ali atrĂ¡s o gato que nĂ£o tira os olhos de vocĂª?”
“NĂ£o.” Haysla respondeu, surpresa, jĂ¡ se virando para a mesa que Violyt olhava. Ela agora ignorava totalmente a conversa ao seu redor.
“Caraca, Haysla! NĂ£o dava pra ser mais sutil?”
“Pra quĂª? O cara nĂ£o estĂ¡ olhando pra mim? TambĂ©m posso olhar pra ele.” Haysla olhou para todos os garotos da mesa em questĂ£o, mas nenhum olhava para ela. “Quem Ă© o cara?”
“Claro que ele parou de olhar quando vocĂª deu essa sua virada estratĂ©gica.” Violyt mentalizou, enviando Ă Haysla um replay de sua virada. “É o Trolk do 4ºAL.”
Na mesa sĂ³ havia garotos do 4º AL.
Os alunos do 4º AL usavam roupas nas cores preto e azul. Mas agora que elas conseguiam identificar a origem das pessoas por sua aparĂªncia fĂsica, era fĂ¡cil distinguir qual deles era um trolk. Os trolks tinham a pele branca e os cabelos lisos e num tom de loiro nĂ£o muito claro. Os olhos eram de um incrĂvel verde jade. Os corpos eram sempre bem definidos e muito musculosos. O trolk em questĂ£o tinha seu cabelo loiro bem despojado, com um topete meio desestruturado, um sorriso delicioso e os traços lindĂssimos!
“Um trolk? Que tudo!” Haysla gostou daquilo.
Os trolks eram o povo mais forte e mais rĂ¡pido entre os aliados.
Eles eram os Ăºnicos com força e velocidade em grau 10. Seu controle corporal tambĂ©m era 10. AlĂ©m disso, eles produziam uma substĂ¢ncia chamada ielekina. Era uma substĂ¢ncia grudenta que eles exalavam intencionalmente pela pele e que os permitia escalar tudo o que quisessem.
Seu controle mental era grau 3 e sua telepatia era grau 1, e eles nĂ£o possuĂam nenhum dom extra de natureza mental. Mas isso nĂ£o importou para Haysla, ela estava mesmo interessada na força dele.
Na Terra, a força fĂsica sempre foi um problema para Haysla e Violyt, quando o assunto era namorar. A força dos ordeanos ia do grau 4 ao 6, e a dos terrĂ¡queos, do grau 2 ao 4. A força e a velocidade eram duas caracterĂsticas com graus variĂ¡veis entre os indivĂduos de um planeta, variando entre trĂªs pontos. Isso significava que, se Haysla e Violyt estivessem entre as pessoas mais fracas de Ordleon, o que nĂ£o deveria estar muito longe da verdade, tendo em vista que elas eram garotas e que nĂ£o praticavam musculaĂ§Ă£o, elas teriam grau 4 de força. Isso as faria ter a mesma força que o homem mais forte de todo o planeta Terra.
Na hora de namorar, isso era uma droga!
Elas tinham que ponderar a força o tempo todo, ou o termo ‘dar um amasso’, seria levado ao pĂ© da letra, quando elas estavam com um cara. AlĂ©m disso, estar com um cara tĂ£o mais fraco que elas nĂ£o era, exatamente, algo excitante. Elas queriam um homem mais forte que elas, como era com suas amigas. Isso as impediu de ir muito adiante quando o assunto era intimidade fĂsica.
E se Haysla queria um homem mais forte que ela, agora ela estava no caminho certo. O homem que a estava paquerando era pura força!
Ao perceber que Haysla olhava para o trolk, um de seus amigos deu uma cotovelada nele, cochichando alguma coisa em seu ouvido. O garoto voltou a olhar para Haysla. Quando seus olhares se cruzaram, ele abriu um sorriso levemente constrangido para ela. O sorriso que Haysla lhe abriu em resposta, de constrangido, nĂ£o tinha nada.
– Quem vocĂª estĂ¡ paquerando, Hay? Shiva perguntou, disfarçadamente virando-se para olhar pra mesa de trĂ¡s.
– O trolk do 4º AL, daquela mesa ali. Haysla respondeu fazendo um movimento de cabeça nada sutil. – VocĂª o conhece?
– O nome dele Ă© Keynel Ghowbranty. Foi Noaha quem respondeu. – Ele Ă© irmĂ£o da Kristin, aquela trolk que senta atrĂ¡s de vocĂª.
– E Ă©, alĂ©m de um mega gato, o monitor de controle corporal. Shiva acrescentou.
– Monitor de controle corporal? Haysla repetiu, interessada. – Ele vai ajudar nas nossas aulas?
– Sim. Shiva disse, sorrindo. – E vocĂª sabe qual Ă© o nosso Ăºltimo horĂ¡rio de hoje?
– Sei. Mas nĂ£o vou esperar atĂ© lĂ¡. Haysla falou, decidida.
O cara era um mega gato, estava olhando pra ela, e ela estava mesmo com saudades de uma paquera.
Por que ela perderia tempo?
Nunca em sua vida Haysla esperou que um homem se decidisse sozinho, ela sempre deu um jeito de decidir por eles. NĂ£o seria diferente agora.
Talvez os dois se dessem bem. Talvez pudesse rolar uns amassos. Talvez atĂ© um namoro. Mas se nada saĂsse dali, pelo menos ela teria uma distraĂ§Ă£o. Alguma coisa que desviasse seu cĂ©rebro de um assunto que, mesmo muito desagradĂ¡vel, insistia em visitĂ¡-lo; Professor Benjamin Thriskow.
Se paquerar aquele gato fosse ao menos Ăºtil para distraĂ-la deste pensamento, entĂ£o seria bem Ăºtil.
– Vou buscar um doce. Ela avisou.
– Alguma coisa me diz que vocĂª nĂ£o quer que a gente te espere aqui. Violyt comentou.
– É alguma coisa bem esperta, essa. Haysla brincou, jĂ¡ se levantando da mesa. – Encontro vocĂªs na sala.
Haysla seguiu andando em direĂ§Ă£o Ă mesa, uma expressĂ£o de ‘eu sou gostosa’ estava bem estampada em seu rosto. Ela olhou para Keynel do jeito mais sedutor que conseguiu... e isso era bastante sedutor. Ele sorriu para ela, mas, desta vez, ela nĂ£o sorriu em resposta. Haysla apenas continuou a olhar para ele, suavizando a intensidade de seu olhar ao se aproximar da mesa de doces.
Pegou um prato de sobremesa e colocou nele a primeira coisa que tinha a sua frente, sem nem mesmo ver do que se tratava. Virando-se para o lado de Keynel, Haysla segurou uma bolinha na mĂ£o e a pĂ´s em sua boca. Ela nĂ£o olhava mais para Keynel, mas cuidava para que a inclinaĂ§Ă£o de seu rosto proporcionasse ao rapaz uma visĂ£o perfeita da mordida sensual que ela dava no doce. Doce este que ela acabara de perceber que nĂ£o gostava nem um pouco. Era de uma fruta que ela nĂ£o reconhecia, e tinha uma nota Ă¡cida ao fundo. Haysla nĂ£o entendia como algo podia ser, ao mesmo tempo, tĂ£o doce e tĂ£o azedo. Ela queria cuspir o troço, mas nĂ£o deixou isso transparecer. Quem olhava para Haysla podia jurar que ela comia seu doce preferido.
Sem olhar novamente para a mesa onde estava o objeto de sua paquera, ela seguiu atĂ© sua prĂ³pria mesa, sentando-se de costas para ele.
Haysla cuspiu o resto do doce, enrolando-o em um guardanapo, e se permitiu fazer uma careta para aquele troço de gosto esquisito, enquanto contava mentalmente.
1, 2, 3, 4,...
– Com licença. Uma voz masculina grossa e ligeiramente rouca disse, por trĂ¡s dela.
Ele foi rĂ¡pido, Haysla se gabou, animada.
– Pois nĂ£o. Ela respondeu, apenas olhando-o de rabo de olho.
– SerĂ¡ que eu poderia me sentar com vocĂª? Keynel perguntou, inclinando suavemente seu corpo em direĂ§Ă£o Ă Haysla.
– Depende. Ela respondeu com um ar indiferente. – O que vocĂª quer aqui?
– VocĂª quer a verdade, ou quer que eu arrume uma desculpa? Ele disse, um leve sorriso em seu rosto.
Haysla gostou daquilo. Parecia que ele estava disposto a jogar seu jogo.
– Depende de novo. VocĂª Ă© criativo?
– Criatividade nĂ£o Ă© o meu ponto forte, mas posso me esforçar.
– EntĂ£o se esforce. Mas acho bom se esforçar pra valer, sou bastante exigente.
Keynel respirou fundo, prendeu um pouco a boca e deixou um ‘hum’ escapar dela enquanto pensava.
– Eu estou fazendo um trabalho sobre a mistura de genes entre os diferentes povos do universo ao longo dos anos, e as consequĂªncias sobre a mĂºtua convivĂªncia de genes distintos em um mesmo organismo, bem como suas influĂªncias nas capacidades mentais e fĂsicas de cada indivĂduo. Como eu percebi que vocĂª Ă© mestiça, achei que talvez pudesse me responder algumas perguntas. NĂ£o temos muito material para este tipo de pesquisa aqui na Academia, isso tem tornado meu trabalho mais difĂcil.
Keynel lançou um olhar apreensivo para Haysla.
Ele sorria. Ela sorriu também.
Haysla gostou de seu esforço e achou que ele fora sim, bastante criativo.
– E aĂ? Keynel perguntou, depois de alguns segundos. Ele ainda sorria, mas era um sorriso um pouco tenso. Ou um falso tenso, talvez. – Foi muito ruim?
– Na verdade, nĂ£o. Haysla admitiu. – Para quem nĂ£o tem a criatividade como seu ponto forte, vocĂª atĂ© que foi bem razoĂ¡vel!
– Isso significa que eu posso me sentar? Ele perguntou, um sorriso bem mais aberto em seu rosto.
– Significa que vocĂª conquistou este direito. Mas apenas este direito. Para conquistar outros, vocĂª precisarĂ¡ se esforçar bem mais.
Haysla nĂ£o achava que ele precisaria se esforçar tanto. Estava gostando do cara... Mas gostava ainda mais do joguinho que fazia com ele.
Keynel sentou-se de frente para Haysla. – Posso começar perguntando sua descendĂªncia? Ordeana e...
– Ordeana e terrĂ¡quea. Haysla respondeu, a expressĂ£o sĂ©ria. – PrĂ³xima.
Keynel deu uma risadinha gostosa. – VocĂª conhece a Terra? Eu acabei de vir de lĂ¡.
– Ah! Verdade. VocĂª Ă© a turma do 4º AL. A famosa excursĂ£o.
– Pois Ă©. A minha turma foi quase toda.
– Eu conheço a Terra. Haysla respondeu bem sĂ©ria. Ainda estava jogando.
– Como Ă© o seu nome? Keynel perguntou, abrindo um guardanapo de papel na mesa e tirando uma caneta do bolso de seu blazer.
Haysla franziu a testa para ele. SerĂ¡ que ele jĂ¡ quer anotar meu nĂºmero de telefone? Ela se perguntou.
– Vou te entrevistar, preciso anotar as respostas. Keynel brincou.
Haysla nĂ£o resistiu, deu uma risada.
Keynel era um cara interessante!
– Haysla. Ela respondeu, sem mencionar seu sobrenome, nĂ£o vinha ao caso ali. – E o seu? O cara nĂ£o precisava saber que ela jĂ¡ tinha a ficha dele.
– Haysla, sĂ³? Ele questionou, claramente sentindo falta de seu sobrenome.
– Haysla, sĂ³. Ela confirmou.
– Neste caso, Keynel, sĂ³. Ele disse, dando de ombros.
– EntĂ£o, ‘Keynel sĂ³’, prĂ³xima pergunta. Haysla continuou o jogo.
– VocĂª gosta de tinhaĂ¡ba? Keynel perguntou, fazendo uma careta.
– HĂ£? Haysla indagou, franzindo a testa. – Que diabos Ă© tinhaĂ¡ba?
Keynel apenas apontou para o doce dela. A careta ainda presente em seu rosto.
– Ah! O que isso tem a ver com a sua pesquisa?
– É que eu acabei de desenvolver a teoria de que algumas combinações genĂ©ticas podem gerar sĂ©rios efeitos colaterais. Como, por exemplo, danificar severamente a sanidade mental do paladar das pessoas. Ah, fala sĂ©rio! Esse troço Ă© horrĂvel! Como Ă© que um troço pode ser enjoativo de tĂ£o doce e, ao mesmo tempo, tĂ£o azedo e Ă¡cido? Ui! Keynel fez outra careta, ao mesmo instante em que seu corpo tremeu. – Eu fico nervoso sĂ³ de pensar.
Haysla queria saber por onde sua sorte fora passear. Com tantos doces naquela mesa enorme, ela precisava mesmo ter pego o doce ‘mais notoriamente ruim’?
– Se estava na mesa, Ă© porque algumas pessoas gostam. Tentou justificar-se.
– Ah, claro! Os aftĂºnios gostam. Mas os aftĂºnios nĂ£o sĂ£o, exatamente, um modelo de sanidade mental, nĂ©?
– VocĂª estĂ¡ me chamando de louca? Haysla perguntou, sorrindo. Estava gostando da descontraĂ§Ă£o de Keynel, embora nĂ£o estivesse gostando de ter seu fingimento tĂ£o prĂ³ximo de ser desmascarado.
– De forma alguma. Apenas de possuidora de um paladar duvidoso. Ele respondeu, tentando prender o riso.
– Esse tinhĂ¡ sei lĂ¡ o quĂª tem o gosto singular. Gosto de coisas singulares. Foi a melhor desculpa que Haysla conseguiu pensar.
– HĂ£. Keynel balbuciou, o pensamento distante. – VocĂª Ă© singular.
– Pois Ă©. Haysla falou, dando de ombros. – Gosto de mim.
– Pelo menos eu descobri alguma coisa que a gente tem em comum. Ele falou, assumindo uma expressĂ£o mais sĂ©ria e sensual.
Haysla nĂ£o conseguiu segurar seu sorriso de satisfaĂ§Ă£o.
– Certo, ‘Keynel sĂ³’, prĂ³xima pergunta. E Ă© melhor focar na sua pesquisa.
Enquanto pensava, Keynel batia a caneta na mesa, criando um irritante barulho.